Europa fragmentada, não necessariamente desunida. Por trás da bandeira verde ecológica, os vitoriosos nestas eleições europeias de maio em Estrasburgo, a carranca da desigualdade anseia por feições condizentes com o progresso do século XXI. O foco desgastou-se. Mas o Velho Continente ainda não achou um caminho que se imponha. Nos bastidores do próximo Parlamento Europeu, fratura entre governos e partidos populistas/nacionalistas; confusas ainda as condições de saída da Grã-Bretanha, o Brexit; esquerda perdida quanto a um novo projeto europeu, porém mais verde. Os pró-europeus salvam a pátria, com dois terços dos votos, ganho menor que dantes.
Os resultados já acusam tendências. As mulheres cresceram em participação, embora o masculino ainda predomine, com 60%. Favoreceram a candidatura oficial da ex-ministra das Finanças da Dinamarca, Margrethe Vestager, à presidência da Comissão Europeia. Se eleita, em novembro, quando expira o atual mandato, será a primeira mulher a ocupar o posto. Que se cuidem as multinacionais; já impôs multas pesadas à Apple e Google. Diferenças ideológicas rendem obstáculos à UE. Elas minguam o grande surto da extrema-direita populista, liderado pelo italiano Matteo Salvini, e o deixam esbarrado na luta para formar um bloco coerente. Os egos diferem. Há fissuras quanto à anti-imigração, islamismo, plataforma pró-europeia, o urbano e o periférico; ceticismo quanto à admiração por Putin, expressa por Salvini e outro expoente nacionalista, Marine Le Pen. Esta, inclusive, acusada de receber dinheiro do governo russo para sua campanha eleitoral.
Onda verde. Apresentam-se os Verdes como vitoriosos. Co-presidente do partido, Monica Frassoni ressalta: agora já é uma força política. Vitoriosa, também, a adolescente sueca de 16 anos, Greta Thunberg, que globalizou os protestos climáticos estudantis – os jovens em ação –, mundo afora. A urgência de iniciativas palpáveis em favor do clima encontra, assim, eco em Bruxelas – os Verdes somam 69 dos 751 assentos do Parlamento Europeu. Em crônica no Le Monde, a socióloga Dominique Méda louva o triunfo, embora limitado, segundo ela, à tomada de consciência. Na contrapartida, tende a deslanchar uma batalha ideológica, destinada a definir o “novo modelo” de desenvolvimento: mudar os métodos de produção e consumo. Os ecologistas esposam diferentes veios de pensamento, com destaque, à esquerda, para a desigualdade social.
Muito oportunamente, a editora Flammarion publicou, em 1 de maio, o livro mais recente da conhecida novelista de policiais, arqueóloga e pesquisadora Fred Vargas. Entrevistada em La Grande Librairie da TV5Monde, tão exaltada pelo tema, nos levou ao livro, com introdução sua. “Estamos obrigados a fazê-la, a Terceira Revolução? – indagam alguns espíritos reticentes e desgostosos. Sim. Não temos escolha. Ela já começou, ela não pediu nossa opinião. Foi a mãe Natureza quem a decidiu depois de, amavelmente, nos permitir brincar com ela durante decênios… Seu ultimato é claro e impiedoso: salvem-me ou morram comigo…”
Seu foco é a desinformação e a pressão considerável da publicidade – crescimento pelo consumo. Lamentos para a Amazônia, “um dos pulmões do mundo”, conclusões evasivas dos tratados climáticos, imobilismo, dissimulação, inércia dos governos, “os 300 tentáculos desse crime espantoso”. Acena soluções: limpar o céu, lavar a água, polir a terra, abandonar o carro, congelar o nuclear, velar a paz, cortar a avidez, deixar o carvão lá onde está, não mais comer carne – e mais, e mais, e mais.
Populistas agitados. Nem de propósito. Ecologia é, basicamente, o tema da presidência Emmanuel Macron, a quem interessa partilha de objetivos com a Comissão Europeia. Mas não caminha de mãos dadas com a chanceler alemã Angela Merkel, na defesa do projeto de reformas na União Europeia. Há em jogo interesses nacionais, que permitem certa dissonância quanto às políticas externa (relacionamento com os Estados Unidos), de segurança e defesa.
Ambos têm, contudo, a mesma dor de cabeça, mais grave em Macron: a vexatória reincidência nacionalista. Nestas eleições, Macron reduziu, pouco que seja (0,9%), o fosso que o separa dos populistas de extrema-direita, cujo reduto é a periferia do país. Enquanto isso, a Alternativa para a Alemanha, AfD, embora não assuste, trata de aumentar sua participação no Parlamento alemão. Cogita-se: afastá-los ou tentar integrá-los?
Drástico. Assim o jornal Der Spiegel nomeia suposto plano populista para destruir a União. Evocando o escândalo de corrupção na Áustria, causa da renúncia do vice-chanceler Christian Strache, diz que nem isso descoloriu o todo-poderoso ministro do Interior, Matteo Salvini, e seu festival pan-europeu da extrema-direita, em Milão. Uma semana antes das eleições europeias, lá reuniu ele a fina flor do nacionalismo europeu (com direito a assistir aos vídeos de Ibiza, prova contra Strache): Marine Le Pen (França), Geert Wilders (Holanda), Jörg Meuthen (AfD). E outros, menos famosos, enfim integrando 11 partidos da periferia europeia, que um Salvini, ora frustrado, gostaria de ver num “supergrupo”.
Vigente em 19 dos 28 países da EU, o euro celebra 20 anos. Alguns economistas a ele se referem como fetiche político, símbolo e pilar da integração. Mas é também símbolo de descontentamento. Salvini chegou a usar camisa com inscrição ‘Basta euro’, a AfD contesta a ajuda alemã a países em dificuldades na eurozona, o partido França Insubmissa, se tivesse que optar, escolheria a soberania nacional.
Revisando os analistas as posturas (conjuntas) nestas eleições, a prioridade vai para o alerta mais próximo – migração e terrorismo islâmico. Extramuros domésticos, os intermináveis Brexit e a campanha ecologia-energia.