Antes de iniciarmos a abordagem sobre o que propomos, temos que, por dever de consciência, dar crédito ao autor.
Sêneca (Lucio Anneo Sêneca), filósofo estóico da Roma antiga, nascido em Córdoba (Espanha) no ano 4 antes de Cristo, escreveu De Brevitate Vitae (Sobre a Brevidade da Vida), livro no qual expõe princípios éticos sobre a natureza do tempo. Sêneca trata do tempo sob a ótica do estoicismo, filosofia baseada numa ética rigorosa alicerçada nas leis da natureza. O estoicismo é, como toda filosofia, um conjunto de valores práticos aplicáveis aos seres humanos que propõe que o homem deve viver em harmonia com a natureza, o que significa viver em harmonia com si mesmo, com o outro e com o Universo. Os estóicos consideravam que o Universo é governado por um Logos Divino ou Razão Universal e que a vida não deve ser medida pelo tempo propriamente dito, mas pelo que acreditavam ser importante “caber dentro dela”, ou seja, sobre o uso que se faz do tempo.
O estoicismo ressalta o fato de que os homens não têm o poder de controlar tudo o que está ao seu redor. Ao contrário disso, exaltavam a natureza como algo que exerce mais poder sobre os acontecimentos do que jamais poderíamos ter. Diante dessa constatação, restaria a nós, por consequência lógica, controlar o que podemos controlar e esquecer o que não podemos. Em acréscimo a isso, apregoavam que devemos sempre manter a tranquilidade e a serenidade frente às adversidades que a vida nos apresenta. Para os estóicos a razão é o fundamento do domínio próprio frente às paixões, que reputavam como vícios da alma.
Vícios da alma. Vícios, para Sêneca, não são somente aqueles baseados em dependências de substâncias químicas como álcool, fumo ou drogas diversas, mas também e essencialmente vícios da alma, como as reclamações constantes, o permanente pensamento de vitimização, o querer se mostrar sempre maior do que o outro, a busca por posições elevadas no contexto social, a necessidade de demonstrar superioridade, o querer provar constantemente seu próprio valor, por vaidade ou orgulho, o viver a vida de forma impensada e inconsequente sem raciocinar antes de agir, o que significa, em síntese, perder tempo naquilo que não tem valor nem se tira nenhum proveito ao crescimento pessoal. Tudo isso também é vício e dos mais perniciosos, naturalmente quando repetitivamente levados aos extremos. A busca equilibrada por uma vida confortável não se inclui entre os vícios elencados por Sêneca.
O objetivo final da vida, segundo o estoicismo, seria a felicidade baseada na prática de viver uma vida boa e tranquila, portanto, produtiva e saudável focada naquilo que é possível controlar. Sêneca trata do tempo de que dispomos para viver e o que fazemos com ele e traz como ideia principal o seguinte argumento: “A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas”.
A partir dos princípios enunciados por Sêneca vamos trazer à tona “um antagonismo” – na verdade uma provocação – ao proporcionar ao leitor a oportunidade de exercitar o raciocínio acerca desse aparente antagonismo entre as proposições do filósofo sobre a brevidade da vida colocando-os em contraste com o Racionalismo Cristão, filosofia que difunde e defende o preceito estrutural e suas naturais consequências, de que ao espírito – parcela emanada da Inteligência Universal em processo evolutivo – é dado o cenário de vivenciar a experiência humana em incontáveis circunstâncias para promover sua evolução por múltiplas existências. Como faremos isso? Posicionando frente a frente valores que se mostram – na superfície – mutuamente excludentes quando se trata da vida do espírito: eternidade, perenidade e continuidade versus brevidade, impermanência e transitoriedade.
Breve e eterno. Se o espírito é eterno, assim portador de todos os atributos inerentes ao Grande Foco, Vida do Universo – dentre eles, portanto, a eternidade – tratar da brevidade da vida talvez não seja propriamente um tema sobre o qual o leitor deva dedicar sua atenção com análise à lupa. Será assim? Como conciliar o que é breve com o que é eterno? Como é possível a vida ser breve e eterna ao mesmo tempo? Por que falarmos em brevidade – aquilo que tem pouca duração – quando se trata da vida eterna do espírito, princípio básico e estruturante do Racionalismo Cristão? Não seria um malabarismo mental sem motivação lógica? Vejamos!
O leitor que está iniciando agora o estudo da Filosofia de Luiz de Mattos talvez possa rejeitar à primeira mão nosso raciocínio sobre a brevidade da vida e os ensinamentos da filosofia racionalista cristã. Um segundo grupo de leitores, talvez formado por aqueles que, já iniciados nos estudos do Racionalismo Cristão, além de conhecer e estudar conseguem exercitar o senso crítico procedente da inteligência e do raciocínio e se esforçam por aprofundar cada vez mais seu entendimento sobre os princípios da Vida – portanto sobre tudo o que envolve o ser, o conhecimento, o saber, a ciência e a razão de tudo que existe -, quando tem a ousadia de confrontar ou comparar os princípios do Racionalismo Cristão com outras fontes de conhecimento -, talvez, dizíamos, para esse grupo de leitores, possa haver alguma confusão de pensamento – e não necessariamente uma rejeição de plano – quando se trata de eternidade e brevidade na mesma temática: a vida do espírito. A esses nos dirigimos. Esperamos que quem nos lê faça parte desse grupo ou que, se não fizer, pelo menos, nos dê a permissão de apreciar nossas colocações com a atenção que considerar serem merecedoras.
Voltemos a Sêneca. “Muito breve e agitada é a vida daqueles que esquecem o passado, negligenciam o presente e temem o futuro.” Assim ele se referia à importância do uso que se faz do tempo de que dispomos para viver e o foco que devemos ter no que realmente tem valor, que é o hoje, o aqui e o agora. Sêneca nos ensina que o homem perde muito do seu tempo em busca de coisas insignificantes, quando deveria utilizá-lo com o que realmente importa, que é discernir o que é a Verdade em detrimento das paixões terrenas. É bastante rigoroso em suas orientações e em certa medida até rude ao questionar: “O quanto de tua vida não subtraíram sofrimentos desnecessários, tolos descontentamentos, ávidas paixões, inúteis conversações, e quão pouco não te restou do que era teu?” (…) “Viveste como se fosses viver para sempre. Nunca te ocorreu que és frágil? Não notas quanto tempo já passou e tu o perdeste como se ele fosse farto e abundante?”
Subtrai-se da leitura de Sêneca que temos de ter nós mesmos como foco de nossa atenção e julgamento. “Reclamamos tanto com relação aos outros, mas quanto tempo dedicamos a nós mesmos?” Sêneca acrescenta que “não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos grande parte dela.” (…) “valorizamos pouco o tempo como se fosse gratuito”.
Aí a provocação! Sêneca traz ao nosso raciocínio a maneira como vivenciamos o presente – o aqui e o agora – em relação à vida eterna do espírito. Muitos seres, quando conhecem o Racionalismo Cristão, tomam consciência de que a vida é eterna e que o espírito nunca morre, acabam por resvalar num certo grau de negligência ao pensar e agir com base na seguinte suposição, com redação nossa: “Se o espírito é eterno, portanto eu sou eterno e se eu sou eterno não tenho que me esforçar tanto nesta vida… terei todas as que precisar para evoluir daqui para a frente. Deixa isso para a próxima!” Errado! O espírito é eterno, mas a vida é curta. É mais que uma provocação. É uma constatação. A própria literatura racionalista cristã, por si mesma, já nos dá essa certeza quando afirma que uma vivência terrena bem vivida e bem aproveitada dá grande satisfação e grande proveito ao espírito em sua jornada evolutiva.
Voltemos mais uma vez a Sêneca: meditar sobre a mortalidade só é aviltante se você não entende o sentido e a finalidade da vida. Neste sentido, nada melhor do que darmos voz ao próprio filósofo estóico (Medite sobre sua mortalidade): “Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida.” Daí, a brevidade de algo precioso que devemos utilizar de maneira racional a bem de nossa própria evolução espiritual – o tempo.