É turbulenta e violenta a história do petróleo. Via de regra, caminha com guerras ou conflitos menores. Assim aconteceu em 1917, em 1945 (as duas guerras mundiais), em 1995, quando do conflito em que se exauriu, na Iugoslávia despedaçada. Chega o século XX. O milagre petrolífero contribui para alçar os Estados Unidos no vôo do poder. Chega o século XXI – e eles constatam que não serão mais a primeira potência. Unicamente o petróleo não basta para manter a supremacia. Precisam liderar elites setoriais: política, cultura (inclusa a corrupção), alimentação, energia em geral, tecnologia. Precisam ter peso politico junto aos países donos do petróleo, para ditar o preço. Um fator vital para as economias em desenvolvimento, que correm o risco de pagar um barril desajustado às necessidades. Eis, em síntese, o pensamento do autor Aymeric Chauprade, em sua abordagem sobre a disputa de controle/dependência de petróleo, entre Washingon, Moscou, Pequim.
Aí por uns 50 anos atrás, quando da guerra do Yom Kipur, pânico no Ocidente, ou melhor, angústia quanto à penúria de petróleo. A partir de então, solidificou-se a consciência do papel do petróleo na economia mundial. O produto é ator maior. O autor Pierre Milza simplesmente constata: o petróleo entrou na história em 1859; nunca mais saiu. Matéria-prima indispensável à indústria, ao jogo de poder ou como instrumento de pressão, imprimiu sua marca no século XX e teima em mantê-la neste século XXI, apesar das tentativas e projeções de transição energética verde.
Foi em meados do século XVIII que, passando por Baku, viajantes ingleses, ao comprimirem o solo numa determinada zona, provocaram emanações de um produto inflamável. Uma flama tão viva quanto profundo o buraco aberto. Em 27 de agosto 1859, foi um esguicho em Titusville, pequena cidade do sul da Pensilvânia, aos pés de um jurista, um banqueiro, um professor, um aventureiro, que acreditaram que o esguicho poderia jorrar em grandes quantidades. Foram avante. Onze anos depois, John D. Rockefeller fundaria a Standard Oil, tornada truste em 1882. O petróleo integra-se definitivamente à história, Rockefeller cria uma dinastia de três gerações, a última das quais, enfim, voltada a “vocações mais nobres”, segundo o historiador David Landes.
Mais atores no palco. Nos séculos XIX e XX, o mercado expande-se, muito além. Baku volta à cena: é o acesso às riquezas incrustadas na bacia do Cáspio. São novas rotas de exportação (oleodutos), idealizadas pelos Estados Unidos para o Ocidente, via Turquia, evitando passar pela Rússia. Pesa na mira dos caçadores, neste cenário atual, em que se mantém no primeiro lugar da fila o Oriente Médio, com reservas concentradas em cinco países, à frente a toda poderosa Arábia Saudita. No palco, cabem ainda a África (Angola, Sudão, Nigéria), América Latina (México, Brasil, países andinos), Austrália e Canadá, Ártico (até mesmo em cogitações o Refúgio de Vida Selvagem), Mongólia, Sibéria. Esta alçou a Rússia ao status de hiperpotência energética nos anos 2000.
A década 1990-2000 começa com uma “crise de energia” (invasão do Kuwait pelo Iraque e subsequente Guerra do Golfo) e termina com uma “crise de energia”: grande aumento nos preços do petróleo e gás natural, colapso dos recém-competitivos mercados de eletricidade da Califórnia. Mas nenhuma tão aguda quanto a causada pelo primeiro choque do petróleo de 1973, ao albor da guerra do Yom Kipur. Os países árabes exportadores multiplicam os preços por quatro, reduzem a produção e determinam embargo às exportações dos Estados Unidos e alguns aliados. De fato, medidas de coação para obrigar Israel – se pressionado pelos Estados Unidos – a sair dos territórios ocupados em 1967. A década começara mal para os ocidentais. Em 1971, a Argélia transforma oleodutos e jazidas em bens do Estado; em 1972, o Iraque nacionaliza a Iraq Petroleum; em 1973, a Líbia apropria-se de 51% das petrolíferas ali instaladas. Dramatizado, assim, o teatro energético, ainda impensável em 1960, quando da criação da Opep, agora Opec.
Também marcam o século XX, nessa história de amor e ódio, as denúncias de corrupção, vale-tudo em negócios competitivos e entre os negócios e a política. Barões no Ocidente, oligarcas na Rússia safam-se como podem. Discurso além do bem e do mal, o preço do petróleo consolida-se como arma econômica e política. O segundo grande choque chegaria em 1979-1980. A Revolução islamita no Irã impõe um governo que até hoje assombra Washington. Do pânico, os países consumidores passam ao afã em buscar alternativas. Começa a exploração de jazidas no Mar do Norte, México, Angola, Alasca. A dispersão da Opep e a política de cada um por si, adotada pelos produtores a partir de 1985, fariam o resto. Finda a Guerra Fria, a Rússia, um dos primeiros países produtores no início dos anos 1980, viu sua produção cair drasticamente. Nas duas décadas finais do século XX, Washington mantém posição hegemônica, apesar da Guerra do Golfo e as invasões ao Afeganistão e Iraque.
O produto em rede. A história do petróleo abarca a história do transporte, da siderurgia, das grandes infraestruturas. Nos primórdios, carros puxados a cavalo antecedem a ferrovia e os barcos em lagos e rios, antes de a tecnologia prover os dutos. Um calcanhar de Aquiles esse fazer o petróleo fluir e chegar ao destino: atentados e sabotagem, acidentes, vazamentos, enfim intempéries antes, durante e depois da construção. Em 1956, quando da crise do Suez, sabotado o oleoduto da Iraq Petroleum, fechou-se o canal e a Europa ocidental amargou penúria breve de petróleo. Pulando os tempos, atentados mais recentes por conta da guerra na Ucrânia: na ponte Crimeia-Rússia, numa ferrovia alemã e, pior, em três nós da conexão da NordStream2 no mar Báltico. Ninguém sabe, ninguém viu. Afinal, a guerra em rede não é a guerra de dados da Internet; acontece no mundo real, um manancial de alvos vulneráveis e destrutíveis.
Entrando neste século XXI, domina a questão dos preços, sob a “ditadura” da Opec. Uma mixórdia remexe a indústria, com sanções devido ao novo conflito na Europa. Chegará o mundo, algum dia, ao preço justo? Se em alta, incide sobre as economias concorrentes, muito dependentes das importações (China, Japão, Europa). Se em baixa, pode permitir-se um modelo de consumo: mais caro (americanos) ou mais barato (europeus, japoneses). Se preciso, pode provocar a derrocada de regimes julgados hostis, assentados em receitas do petróleo.
Sentencia Pierre Milza: o petróleo ainda faz bater o coração do mundo.