Um negócio de família e de política
Tal como em 2013, nenhuma das três principais alianças (centro-direita com Forza Italia, Lega Nord e Fratelli d’Italia; centro-esquerda encabeçada pelo Partido Democrata, e o grupo contrário ao establishment, Movimento Cinco Estrelas) conseguiu maioria parlamentar absoluta nas eleições gerais de 4 de março na Itália. Em consequência, o mesmo processo de negociar o novo governo. Processo demorado, talvez concluído quando esta edição estiver nas bancas, pois a primeira convocação do Parlamento aconteceria em 23 de março. Ou talvez não, e será preciso organizar outra votação.
Por que são importantes estas eleições? Respondem os analistas. Primeiro, escancaram uma tendência – um marco no protesto do eleitor italiano –, qual a de conceder o maior número de votos ao Movimento Cinco Estrelas. Segundo, confirmaram como principal força política a aliança de centro-direita, agora sob a liderança de Matteo Salvini. Possível efeito da raiva contra o fluxo crescente de imigrantes, que veem na Itália o portal da Europa. Terceiro, a influência do próximo governo na zona do euro e seu futuro, como terceira economia mundial.
Há quatro anos, o social democrata Matteo Renzi foi eleito primeiro-ministro, com base em promessas de ejetar a elite para empreender reformas e tornar a Itália mais competitiva. Deu tudo errado. Aprofundaram-se as fissuras na sociedade, hoje há 5 milhões de italianos vivendo em pobreza total, aumentam o êxodo dos bem nascidos e a imigração ( 625 mil entraram na Itália desde 2014). Dentre as parcas conquistas, a criação de um milhão de empregos, precários na maioria.
Incapacitado para concorrer às eleições, por fraude fiscal e outros delitos, Sua Emmitenza (contração de emissor e Eminência), ”nome de batismo” dado pelos italianos a Silvio Berlusconi, este praticamente assumiu a campanha da aliança de direita, embora seu partido, Forza Italia, não seja o maior do grupo. Uma campanha de promessas, tal como há 17 anos (‘Contrato com os Italianos’), sob outro rótulo: ‘Compromisso com os Italianos’. Sem debates, e uma imprensa apegada às estórias de candidatos envolvidos em falcatruas. Assim, foi que, na televisão pública, fins de fevereiro, tarde da noite, em tom cerimonioso, anunciou como se fora ele o candidato: “Minha meta é levar a taxa de desemprego a um nível abaixo da média da União Europeia. Assinado: Silvio Berlusconi”. Entre parênteses, registramos que a taxa da UE está em 7,3%, mas, na Itália, o desemprego atinge 10,8%.
Como o homem mais rico do país, Silvio Berlusconi conquistou a direita em abril de 2000, quando idealizava criar uma vasta rede de televisão cobrindo toda a Europa. A família afirmou-se como modelo de administração empresarial. Berlusconi confiou ao filho Pier Silvio a vice-presidência de Mediaset e à filha Marina presidente não executiva do grupo editorial Mondadori. Graças à Fininvest, holding de Mediaset, Berlusconi deixou de controlar diretamente suas empresas de audiovisual. Um estratagema que lhe permitia manter-se surdo ao conflito de interesses entre cadeias privadas e o grupo público da RAI.
Em artigo no Spiegel Online, Walter Mayr diz: “É como se o tempo tivesse parado na Itália”. Acha inconcebível que um estadista, três vezes primeiro-ministro, com o país à bancarrota e privado de disputar cargos públicos até 2019, fale de um futuro político aos 82 anos de idade. Talvez tenha um segredo para o sucesso, conforme confiou ao autor Alan Friedman, uma espécie de biógrafo com o livro My Way: “Sou um sedutor nato”.
Clecy Ribeiro
Jornalista, professora das Faculdades Integradas Hélio Alonso, RJ