Foi em 20 de julho. Nesse dia, em 1897, instala-se a recém-criada Academia Brasileira de Letras, com discurso inaugural de Machado de Assis. Um ambiente bem distante, no tempo e formato, da sessão solene virtual de 2020, quando deste 123º aniversário, embora com o mesmo compromisso a cumprir: o cultivo da língua e da literatura nacional. Guardiã, portanto, das Letras, da Literatura, e por extensão da História e Memória do Brasil.
Nem bem passou-se o século, e os fardões miscigenam-se ao prêt-à-porter. Suas oferendas do saber, tão múltiplas quanto heterogêneos os ofertados, desvelam a vetusta e moderna Academia, real e virtual. Atual. Ajusta-se ao momento, e como! Inventa formas e dissemina o que um povo tem de mais caro: sua língua pátria. Brasileiros como eu… Mas o acadêmico e vice-decano Arnaldo Niskier, autor de mais de cem obras, “tem consciência de que não está só”. Há outros povos de língua portuguesa aos quais também se dirigir. E brasileiros no exterior. “Desde as eras mais remotas, tem sido essencial o papel da educação. Na verdade, o seu valor é mesmo imortal, variando apenas as suas características, como agora que a informática exige novas posturas”. (‘Educação Imortal’, Revista Brasileira 101).
Pela primeira vez na história moderna, a volta às aulas praticamente se faz em casa. Incertezas criam apreensão quanto aos rumos do ensino e seus conteúdos. O aluno defronta-se com situações inéditas, que talvez venham até a canalizar incentivo maior, emprestando dinamismo ao aprendizado. Mundo afora – sobretudo nos países em desenvolvimento, na cauda da fila tecnológica -, mestres e alunos indagam-se qual a rotina do fazer ou saber a distância. O terremoto pandêmico torna complexa a acomodação de crianças, adolescentes, adultos, com suas limitações e exigências de aprendizado e ensino. Definitivamente, a tendência para o futuro é a educação online, constata Niskier. “Cada um trabalhará de acordo com seu próprio ritmo. Caberá ao professor o papel de curador – escolher conteúdos e fazer as necessárias ligações”. De positivo (perdoe a intrusão), a familiaridade das gerações mais novas com o eletrônico.
Prolixa em sua contribuição na esfera cultural, a Academia oferece rara diversidade ao complemento do online curricular. Para guardar, o impresso: a Revista Brasileira e os livros dos acadêmicos. Esmera-se no “ao vivo”: ciclos de conferências, efemérides, debates, mesas-redondas, vídeos ao acesso fácil e rápido de celulares, os ciclos de podcast. Faz bom uso das mídias sociais, com o tradicional Facebook. Inova com a campanha recente “#ABLEmSua Casa”, criada em junho, por força do isolamento social oriundo da pandemia. Ainda no site, a busca ao Vocabulário Ortográfico e ao Dicionário, que ajuda a corrigir e tirar dúvidas. Mais a consulta ao Acervo.
Aí estarão contos, uma forma machadiana de “encher o tempo”. Textos curtos incluem crônicas (a ficção e a realidade) e ensaios. Romances, uma constante universal, dão a cor local, em retratos de inúmeros feitios. Nas biografias, vinga a personalidade, vive-se o passado no presente, aguça-se a imaginação e a curiosidade. É varar os dias com “eles”; o fato passa a segundo plano. Leituras dramatizadas apresentam as Letras em teatro, interativo. Relíquias os discursos de posse. Nos debates, uma coisa puxa outra, uma salutar e esclarecedora troca de ideias, que nos liberta do pensamento radical. A poesia faz das suas: expressa influências, sentimentos, o social; expõe a arte e técnica do verso e da rima; fala do mundo interior e exterior. E não sei mais o quê. Ver para crer só na Academia.
“Pensando o novo normal”, um dos podcasts sobre a pandemia, agiliza algumas respostas sobre educação e o “futuro a distância”, aos quais nos limitamos neste breve texto. Um futuro já presente, admite Niskier, apesar da pandemia, de “consequências terríveis para a educação e sociedade”, e das falhas na estrutura brasileira para o ensino a distância e a formação docente. Embora o Ministério da Educação já disponha de R$118 bilhões para 2020, sua aplicação é incerta ou inadequada. Negativa, ainda, segundo Niskier, a troca frequente de ministros da área (quatro até agosto) e a falta de qualidade operacional, que depende de uma série de fatores complexos, não só a questão dos salários baixos. Lembra que há 13 milhões de analfabetos e a educação infantil é prioritária apenas nos discursos. Contudo, outro positivo alenta: a resposta aos cursos a distância. A expectativa de Niskier é de que, em muito pouco tempo, talvez dois anos, o número de alunos online seja superior ao presencial. Bom seria, argumenta, uma discussão a respeito dessa enorme transformação no ensino brasileiro. “No Brasil, as coisas sempre foram lentas”.
”Nem tudo tinham os antigos, nem tudo têm os modernos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum”. Não fora Machado de Assis intitulado o patrono perene, com máxima que nos acompanha também desde sempre: aprender investigando, com paciência e continuidade. Assim, em boa hora chega o “Em sua casa”. Permite personalização, ou seja, escolhas de afinidade, interesse. Compõe o universo da Academia de ‘tantos fazendo tanto para tantos’. Cabe, a quem quiser, desvendá-lo – e surpreender-se. Quem sabe, será o aluno que acabará por surpreender. Não haverá tempo perdido. “… Esta a glória que fica, eleva, honra e consola”.