Chora o Brasil seus filhos levados pelas águas ou soterrados nos desmoronamentos de morros em temporais; choram pais que perderam filhos, choram filhos que perderam os pais nas catástrofes que se repetem todos os anos aqui e ali. Algumas vezes, vítimas pagam pela imprudência, mas na maioria dos desastres ambientais se pode creditar a culpa aos governantes, quer por não fiscalizar e punir, como deveriam, os praticantes de crimes como a destruição de matas ciliares, quer por não aplicar corretamente as verbas, sempre curtas.
Disse o aplaudido poeta: ‘quem sabe faz a hora, não espera acontecer’. Sabemos que o contexto era outro, a mensagem tinha endereço, mas a obsevação é válida em qualquer circunstância. Nossas autoridades há muito estão deixando acontecer para depois verterem lágrimas de crocodilo na TV, lamentando as mortes – mortes que eles não procuraram evitar.
Não é de hoje o descaso de certas autoridades com a vida dos cidadãos, em último caso seus eleitores, já que muitas saltam do cargo eletivo para um do Executivo.
Há desmatamentos em todo o país, cortes legais e ilegais de árvores, para consumo interno e para contrabando. Madeireiras tomam posse e devastam áreas até em terras indígenas, mas o maior responsável pelos desastres ecológicos urbanos é o avanço sobre as matas ciliares.
Preservar essa vegetação, além de prevenir a absorção das águas das chuvas, ajuda a combater a escassez de água, preocupação que aumentou após a recente crise hídrica sofrida pelo Estado de São Paulo. Sem a mata ciliar, a água da chuva escoa pela superfície, o que impede sua infiltração e armazenamento no lençol freático; consequentemente, reduzem-se as nascentes, os córregos, os rios e os riachos. Por fim, o desmatamento impede a formação de corredores naturais tanto de flora, quanto de fauna, afetando diretamente a biodiversidade da região.
O crescimento da pecuária e da agricultura é igualmente ameaça para a continuidade de muitas matas ciliares. Sem a preservação desse tipo de formação florestal, o meio ambiente sofre com erosões e assoreamento.
Onze anos após o temporal que causou a morte de 918 pessoas, a Região Serrana do Estado do Rio ainda não recebeu boa parte do dinheiro prometido para prevenção de novas tragédias. De R$ 987,6 milhões empenhados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, na ocasião, para obras de manejo de águas pluviais, apenas R$ 53 milhões foram pagos até hoje – R$ 11,6 milhões só foram repassados nos últimos três anos para obras de drenagem urbana. Para as obras de contenção de encostas, do valor empenhado de R$ 60,2 milhões, R$ 41,4 milhões foram pagos aos municípios.
O triste espetáculo de mortes anunciadas é consequência do mau uso, ou o “não uso” ou ainda a não liberação das verbas destinadas à prevenção de temporais na Região Serrana do Estado do Rio. Eis o resultado da catástrofe em Petrópolis: mais de 200 mortos, milhares de desalojados e desabrigados, centenas de casas destruídas.
O estado do Rio de Janeiro diminuiu em 54% a previsão de gastos em gestão ambiental para este ano, em comparação com 2021. O governo de São Paulo gastou, entre 2011 e 2021, valores sempre abaixo dos aprovados pela Assembleia Legislativa do Estado, conforme levantamento feito pela GloboNews: foram 11 anos seguidos com investimentos abaixo do nível planejado pelo próprio Executivo. No Sul da Bahia, temporais recentes causaram 20 mortes e a destruição de 30 mil casas. Provavelmente foi consequência direta do corte de verbas federais para prevenção de acidentes ecológicos. Outros acidentes históricos tiveram participação humana, como o deslizamento de terras no Morro do Bumba, em Niterói. Autoridades tinham conhecimento de que o terreno era impróprio para edificações, mas permititam que pessoas pobres ali construíssem seus casebres, e ali ficassem, até que um temporal os levou. Foram 48 mortos.
Vejam isto, senhor presidente e senhores governadores e prefeitos, vejam e assumam suas parcelas de culpa. Tenham em mente que tanto sofreram os que perderam a vida quanto continuarão sofrendo os parentes que, vivos, estão com a vida destroçada. Sofrem não pela perda do ente querido, que, sabemos, é o que nos espera, mas pelas condições em que se deu essa perda.