Verdade: uma atividade da razão

Platão, diz a filósofa Marilena Chauí, transformou a verdade numa atividade da razão humana. Ele chegou a suas conclusões por argumentação filosófica, com total independência, portanto, de mitologias, misticidade e sobrenaturalismo. Com a filosofia platônica, comenta Chauí, nascia a chamada “razão ocidental”.

Em sua extensa e variada obra, dedica-se Platão, com insistente frequência, a citar, examinar, analisar, criticar, discutir ou comentar os escritos de grandes pensadores pré-socráticos, bem como os de seus contemporâneos da escola sofística. Tornou-se assim o depositário fiel das ideias essenciais desses importantes filósofos, salvando, por consequência, um precioso patrimônio da cultura ocidental, uma vez que esses escritos deixados pelos pré-socráticos e pelos sofistas viriam a se perder – todos eles – ainda na Antiguidade.

Graças também a Platão, foi preservada para a posteridade a filosofia de Sócrates, que nada escreveu. Mas, felizmente, Platão, seu maior discípulo e querido amigo, assumiria, após a morte do mestre, o compromisso, que realmente cumpriu, de dedicar a vida ao ensino e à divulgação das verdades socráticas.

Platão – maior dos filósofos e mestre supremo na arte de dialogar – foi o primeiro pensador grego a produzir uma obra que abrange todos os campos da cultura humana e, afortunadamente, chegou – intacta – aos nossos dias.

“Nela”, diz o historiador Will Durant, “encontraremos seu racionalismo, sua metafísica, seu espiritualismo, sua ética, sua psicologia, sua pedagogia, sua política e sua teoria da arte. Encontraremos problemas de sabor moderno e contemporâneo: comunismo e socialismo, feminismo, defesa de práticas anticonceptivas, eugenia, os problemas de Nietzsche sobre a moralidade e a aristocracia, os de Rousseau sobre o retorno à natureza e a educação livre, o ‘élan vital’ de Bergson e a psicanálise de Freud – tudo.”

Excrescência

Em seus estudos cosmológicos, no entanto, comete Platão uma redundância ao enumerar um elemento a mais na composição do Cosmo. Segundo ele, o Universo é constituído de três elementos fundamentais: Alma Universal, Matéria e Deus, ou Sumo Bem. Aliás, Allan Kardec, codificador da Doutrina Espírita, lendo pela mesma cartilha de Platão, viria também, mais tarde, a declarar serem três os elementos básicos constituintes do Cosmo: Força, Matéria e Deus.

Divergindo, porém, de Platão e Kardec, o Espiritualismo Racional e Científico, codificado por Luiz de Mattos, considera uma  excrescência o terceiro elemento preconizado por Platão e Kardec e afirma que o Universo é composto tão somente de Força e Matéria.

Influência do platonismo

O comunismo platônico não parece diferente do adotado no século XX em alguns países. A influência das concepções políticas de Platão, observa o filósofo Bryan Magee, foi, “por séculos a fio”, realmente imensa, e não haveria de ser menor nas filosofias utópicas e totalitárias, quer de esquerda, quer de direita, do século passado.

Sua filosofia e a de seus seguidores dominariam o pensamento filosófico ocidental durante sete séculos, ou seja, até o terceiro depois de Cristo, quando, com a ascensão da filosofia e da teologia católicas, findaria essa era de predomínio do pensamento platônico. Mas Platão, assim como Aristóteles, será bem conhecido e valorizado na Idade Média e, depois, idolatrado na Renascença.

Platão, diz o historiador da filosofia Félicien Challaye, exerceu profunda influência em todos os pensadores racionalistas posteriores, a começar por seu discípulo Aristóteles, e inspirou, por meio dos neoplatônicos, doutrinas de caráter espiritualista. Segundo Challaye, a cabala judia, o sufismo maometano e o chamado “misticismo alemão” estão “saturados” de pensamentos de Platão.

Algumas passagens de sua obra são evocadas por pessoas de variados misteres: a Alegoria da Caverna, por psicólogos; a Ideia do Belo Absoluto, por estetas; o Estado platônico, por governantes; a luta entre o bem e o mal, por moralistas; o diálogo “Mênon”, pelos lógicos; e a teoria da reminiscência e os “topos uranos”, por espiritualistas em geral. (“Topos uranos”, de acordo com Platão, é o lugar em que vivem as almas antes de encarnar; “lugar” a que o Racionalismo Cristão dá o nome de “mundo de estágio”).

Filósofo e poeta

Entre os entusiastas do extraordinário talento literário de Platão, encontram-se inclusive seus críticos. “Era um filósofo e um poeta fundido numa só alma”, segundo um desses críticos. “Seu estilo”, observa um historiador do pensamento filosófico, “é todo centelhas e efervescência, e nunca, até hoje, a filosofia assumiu tanto brilho.” Shelley, grande poeta do Romantismo inglês e admirador de Platão, disse: “Ele casa a lógica cerrada e sutil com o arroubo típico da poesia; funde-os no esplendor de seus períodos em irresistível torrente musical, que nos empolga o espírito em impetuosa irrupção”.

Platão não acordou

Conta Will Durant que um dos jovens discípulos do mestre, “arrostando o grande abismo chamado casamento”, convidou-o para a festa nupcial.

No dia do casório, lá estava Platão e, “não obstante seus 80 anos”, participava alegremente dos folguedos entre os convidados folgazões e nem percebia as horas passar naquele ambiente jovial e festivo. Em dado momento, porém, já cansado, o velho filósofo pediu ao noivo que o levasse a um cômodo sossegado da casa onde pudesse “tirar uma soneca”.

Ao raiar da aurora, tendo a festa terminado, os fatigados convivas e o não menos derreado noivo foram acordar o mestre. E então viram que, durante o alegre transcorrer do barulhento festejo, ele passara sem alarde, serenamente, de “uma soneca para o sono chamado morte”.