Com este artigo encerramos o capítulo Vico, outro severo crítico do pai do racionalismo moderno, um apanhado sobre a biografia e a doutrina do filósofo italiano Giambattista Vico (1668-1744), autor da obra Ciência Nova, na qual reuniu suas rigorosas críticas contra os filósofos da corrente racionalista do período histórico que vai do século XVI ao XVIII, entre os quais o francês René Descartes (1596-1650), pioneiro do racionalismo da Idade Moderna, com seu sistema filosófico denominado “cartesianismo”, termo que, assim como o adjetivo “cartesiano“ deriva de “Cartesius“, latinização do nome de Descartes.
Quimera. Essa é, de fato, a palavra usada por Vico para qualificar o que Descartes e demais racionalistas chamavam de “conhecimento infalível e universal, fundado na matemática e nas ideias claras e distintas”.
Para o filósofo italiano, a capacidade de conhecimento da espécie humana não permite ao homem (ou à mulher) ir além daquilo que é dado pela experiência.
Ademais, argumenta Vico, o ente humano, por ser naturalmente “finito e limitado”, não criou a natureza, o que o torna incapaz de entendê-la. “Pode, no máximo, pensar nela”. Segundo ele, os fundamentos do conhecimento não estariam apenas na razão, mas também, e principalmente, na experiência, “que é sua base”.
Os racionalistas, alvo “predileto” do criticismo de Vico, eram acusados também de estarem apoiados em alicerces irreais ao desconsiderar dois importantes fatores que nos induzem ao conhecimento, a experiência e o senso comum.
Referindo-se ao segundo fator, diz ele que, por ser produto das necessidades e do momento histórico de uma comunidade humana, o senso comum escapa à lógica matemática do cartesianismo. De acordo com Vico, tal filosofia é incapaz de absorver, “como questão”, tradições, ideias e costumes dos grupos sociais.
O autor de Ciência Nova inclui na “lista de erros” de Descartes inclusive a matematização da filosofia, pois afirma que “a demonstração de verdades cabe à matemática, não à filosofia”. Para Vico, não era cabível que esse procedimento viesse a predominar no pensamento filosófico nem tampouco nos estudos escolares, afastando-os, por consequência, das humanidades.
Sérios prejuízos. Nessas diatribes contra o pai do racionalismo moderno, Vico aponta também “os sérios prejuízos” causados pelo método cartesiano, em detrimento, principalmente, das escolas. Tais prejuízos, julgava ele, tanto sufocavam o que é mais característico da juventude – a imaginação e a memória – quanto poderiam ocasionar aos jovens estudantes deficiência ética, ao induzi-los “a buscar verdades matemáticas em vez de prudência, que caracteriza a vida em comum”.
Ao comentar a teoria do conhecimento de Descartes, fundada na matemática e nas “ideias claras e distintas”, a qual rejeita todas as formas de conhecimento que, por sua própria natureza, não se submetem à quantificação nem à dúvida cartesiana, Vico contra-argumenta: “Como demonstrar a ‘verdade matemática’ de produções humanas como a retórica, a poesia e a História?”
Aumentando um ponto. Antes de finalizar o artigo, cumpre a este escriba reparar uma falha cometida no artigo anterior. Contei, no dito texto, que Vico, falecido no século XVIII, só foi reconhecido como um dos importantes filósofos do Iluminismo nos séculos XIX e XX. Mas esqueci de aumentar um ponto. Faltou explicar que o motivo de o livro ter-se tornado, finalmente, reconhecido deveu-se ao fato de a obra ter-se tornado, naquelas duas centúrias, a mais bem referendada pelos filósofos e cientistas de então, passando, consequentemente, a ser considerada um verdadeiro clássico da teoria da história.
A seguir, alguns dos nomes da longa lista de filósofos e cientistas que referendaram as ideias de Vico e, desse modo, fizeram, enfim e de fato, vir a lume a obra do autor:
Jules Michelet (1798-1874), filósofo e historiador francês; Karl Marx (1818-1883), filósofo e revolucionário socialista alemão; Benedetto Croce (1866-1952), filósofo, historiador e político italiano; Robin George Collingwood (1889-1943), filósofo, historiador e arqueólogo britânico; Hayden White (1928-2018), historiador norte-americano – “um dos mais importantes no campo da teoria da História”; e o russo Isaiah Berlin (1909-1997), filósofo, teórico social e historiador das ideias.