Vico, outro severo crítico do pai do racionalismo moderno

Italiano, natural de Nápoles, onde viveu e morreu, o filósofo Giambattista Vico (1668-1744) foi, durante quase toda a sua existência, de 75 anos (32 vividos no século XVII e os restantes 43 no século XVIII), uma figura de pouco destaque, mesmo em Nápoles, sua cidade natal. Isso apesar de sua grande e variadíssima cultura. Era jurista, retórico, filólogo, historiador, pedagogo, poeta, orador, político, humanista e importante filósofo.

Um dos grandes. Fora de Nápoles foi um pensador quase desconhecido. De fato, só haveria de ser reconhecido como um dos grandes filósofos do Iluminismo a partir do século XIX. Ou seja, quase um século depois de sua morte, quando, enfim, observa um historiador do pensamento, suas ideias despertariam interesse e passariam a influenciar filósofos e cientistas sociais do Ocidente.  

Sexto dos oito filhos de Antonio Vico (dono de uma livraria) e de Cândida Masulio (filha de um fabricante de carroças), Vico chegou a cursar em Nápoles as então chamadas “séries das escolas de gramática”. Porém, insatisfeito com os escolásticos jesuítas, abandonou tal regime escolar e passou a estudar em casa, tornando-se autodidata até ingressar na universidade.

No período de 1689 a 1694 concluiria seus estudos, e isso no mais importante e famoso estabelecimento de ensino da  época – a Universidade de Nápoles Federico II, uma das primeiras do mundo, fundada em 1224, ou seja, há oito séculos. 

Nessa  universidade, onde, depois de formado, seria professor de retórica, Vico começaria a demonstrar vivo interesse não só por pensadores da Idade Moderna (período da  história da Europa que se estendeu de 1453 a 1789), mas também por filósofos da  Grécia antiga, em especial Platão e Aristóteles.

Em 1686, Vico foi trabalhar como tutor em Vatolla, na comuna de Perdifumo, ao sul da cidade de Salerno, cargo que que exerceria durante nove anos. Em 1699, casou com a moça que havia sido sua amiga de infância, Teresa Destito, com quem teve um filho, chamado Gennaro Vico. 

Ainda em 1699, Vico assumiu a cadeira de retórica na Universidade de Nápoles. Cinco anos depois, em 1734 (contava então 66 anos e morreria nove anos depois), seria nomeado historiador real pelo rei de Nápoles, Charles  III.  

Ciência Nova. É em seu livro Princípios de Ciência Nova que o italiano Giambattista Vico reúne suas críticas ao projeto dos racionalistas, entre os quais ninguém menos que o grande francês René Descartes (1596-1650), alvo principal de tais críticas e já anteriormente alvejado por seu maior crítico, o também francês Blaise Pascal (1623-1662), tema do artigo anterior. Pascal e Vico foram os mais severos críticos de Descartes – incontestavelmente o “pai do  racionalismo moderno“, e essa inquestionável e histórica paternidade não lhe seria negada nem por esses dois maiores críticos de sua obra filosófica.

Com certeza, diz um estudioso, é na obra Princípios de Ciência Nova que o leitor se depara, de fato, com o pensamento filosófico de Vico, “uma contraposição aos filósofos racionalistas e aos princípios da filosofia iluminista”.

Diferentemente de outros autores que antes dele trataram de temas de ordem transcendental, nessa obra de Vico a metafísica deixa de especular sobre Deus, para direcionar seu foco para a Terra, a fim de buscar na História o que antes buscava na “mente divina”.

Para Vico, “tanto a História como as demais produções humanas são verdadeiras, compõem o conhecimento e auxiliam a compreender aquilo que é objeto das ciências naturais”.

Por ser uma faculdade finita e limitada, afirma Vico, a razão, consequentemente, não pode entender o funcionamento da natureza. No entanto, diz ele, o contrário acontece em se tratando da História, por ser criada pelo homem e poder assim ser conhecida por ele de maneira completa e indubitável. Para esse filósofo, porém, “o historiador não pode examinar o passado com olhos do presente. Caso se deixe dominar por seus valores atuais, o pesquisador não terá condições de compreender o que se passou e por quê”.

Nessa mesma obra, seu autor apresenta também, entre outros assuntos,  sua proposta para a ciência, chamada “vertente Vico”, a qual nada tem a ver com a “vertente prevalente” (ou com a ciência moderna), baseada no “mecanismo” de Isaak Newton, no racionalismo de René Descartes e, depois, firmada no Iluminismo e assumida como compromisso pelo Positivismo, do filósofo francês Augusto Comte (1798-1857).