No limiar de um ano continuidade dos idos, que acena com progresso e inovação, gera-se a expectativa. Quais as tendências do porvir próximo, ou mais remoto, depois de um 2021 infindável de ansiedade? Resposta na ponta da língua, Futuribles International desenha uma trajetória de cenários até 2050, alguns bem diferentes da nossa atualidade, alguns centrados em acontecimentos precisos ou fortuitos, outros mais fruto da conjunção de vários fenômenos, mas todos resultado de análise aprofundada. Nem previsão nem predição ou projeção, mas desenredar, explicar o mundo onde estamos para imaginar o mundo para o qual queremos ir.
Imbatíveis, clima (ou degradação do clima) e geopolítica lideram a problemática mundial. Com as inerentes sequelas: migrações de massa, artificialização dos ecossistemas para tornar habitáveis zonas de sinistro, reconfiguração de mercados – comércio e trabalho –, maior cuidado com a saúde. ‘Where We Need To Be’ (Onde precisamos estar) prega a Agência Internacional de Energias Renováveis, com prazo até 2040 para a transformação, imprevisível e diversificada, do sistema energético.
Os anos 2040 tornam-se um marco. A partir destes 2020/2021, de perturbações profundas geradas pela pandemia, um trajeto até 2050, quando, se tudo ficar como dantes, o aquecimento da Terra em 2,7 a 3 graus centígrados modificará o habitável, o aceitável, o desejável. Entre 2045 e 2065, antecipa a Plataforma sobre o Deslocamento por Desastres (iniciativa da União Europeia), serão 850 milhões de pessoas deslocadas, ordenadamente, do Sul e Sudeste asiático, África subsaariana e sul do Pacífico. Alguns poucos países (Estados Unidos, Japão, China, Cingapura) já cuidam em manter condições habitáveis em zonas de risco. Paralelamente, outras terras emergirão, habitáveis, como Groenlândia e Sibéria. E novos eldorados: territórios do norte europeu a atrair populações, investimentos agrícolas e recursos geopolíticos, já então acessíveis pelo derretimento de geleiras.
Meio ambiente. Sociedades hipertecnológicas entram em cena, seja para artificializar os ecossistemas corrompidos, seja para responder às novas lógicas de produção e consumo. Na agenda, talhar o meio ambiente: gerar chuva, reduzir a exposição aos raios solares usando espelhos. Também apostar em biorregiões aos moldes de Copenhague-Malmöresund, da Suíça e seus cantões, da Itália com sua rede de cidades históricas. Do Reino Unido, com Bristol na vanguarda. Mas Cingapura ainda é a que melhor traduz essa nova concepção de cidades-regiões autônomas. Em 2050, terá 6 milhões de habitantes usufruindo um polo urbano central e uma coroa rural complementar, para garantir parte da energia e alimentação.
Todas essas fraturas no sistema mundial, em rota mais ou menos acelerada, fornecem esboços mais definidos do que vem por aí. Antecipar para planejar, agir, solucionar, franquear as tendências favoráveis, precaver-se. À vista, uma multiplicação de crises sanitárias nos anos 2040, quem sabe até minoradas por uma sistema de saúde mundial em pauta a partir de 2025. Se funcionar… Mas, graças à Inteligência Artificial (AI), de 20% a 30% dos empregos no mercado de trabalho mundial devem estar totalmente automatizados, deixando à produção imaterial – assistência pessoal, sobretudo – uma multidão de servidores.
Enquanto isso, despertada, a era da China ruma para afirmar-se: como potência marítima, como parceira da Rússia, como influência na América Latina e Europa, já que a União Europeia tende a tornar-se ator político de vulto até 2050. Uma tríade, em 2040, servirá ao livre comércio de blocos: China, Ocidente e o resto do mundo. Esse “resto” seriam os 40% que permanecem não alinhados, à margem, como espaços da África à beira de crises sócio-políticas, um Oriente Médio esfacelado pelas rivalidades – e mais resto. Serão anos de efusão para a China, até começar uma prevista estagnação, seja de origem climática, seja pela lógica por trás da economia capitalista, de exploração dos recursos essenciais à vida humana. Antes, por volta de 2025-2030, outros acontecimentos potenciais ou propensos, dependendo de outros acontecimentos, fortuitos, levariam a nova crise do petróleo e caos, saída dos Estados Unidos de agências da ONU, guerra civil no Brasil, o Irã em apertos no Golfo, guerras quase totalmente automatizadas.
Enfim, fraturas no sistema global pinçam aqui e ali. Os anos 2050 podem ser de respostas. Mais 30 anos. Com início agora em Glasgow, sede da COP 26, a qual os céticos creditam tendência a anular-se, pelo habitual nacionalismo. A notícia ruim acompanha esse raciocínio: a prometida redução de emissões de gás carbono, “emissões zero limpas”, carrega uma sutil diferença de “emissões zero”. Permite, assim, um “adiamento”. Estados Unidos e União Europeia vão até 2050; China até 2060, com cortes a partir de 2026; grandes corporações tecnológicas ficam entre 2030 e 2040; assim por diante. O Fundo Verde emagreceu, o mercado regulado de carbono tem falhas (Brasil e México, por exemplo, estão fora). A notícia boa está no compromisso de atores voluntários à campanha contra as emissões, que a corrida ao hidrogênio verde encompassa. Um milagre de baixo carbono, que o Brasil tem como abraçar e compensar-se do fiasco Amazonas.
Jean Haëntgens (Futuribles) traz uma indagação final: serão ecologia e capitalismo o casamento do século?