Preocupou-se o governo em passado recente em recolher armas que estavam na posse de civis e indenizar com quantias irrisórias quem se dispusesse a desfazer-se delas. Foi uma festa tentar sem sucesso encobrir a realidade, que culminou com a triste cena cinematográfica de passar um trator sobre centenas de garruchas enferrujadas, revólveres com tambor emperrado e uma ou outra espingarda de matar camaleão.
Nas imagens divulgadas daquele deplorável espetáculo para o qual a imprensa foi convocada (era preciso mostrar ao mundo o grande feito, que se revelou inóquo, fantasioso e boçal), não se viam bacamartes, colts 44, daqueles dos filmes de mocinho e bandido dos tempos de John Wayne, fuzis, submetralhadoras, pistolas Mauser ou Luger, esta tida por colecionadores ou não como troféu de guerra.
Caramba, será que em todo o país ninguém tinha ao menos um exemplar dos citados para satisfazer a ansiedade dos defensores do desarmamento? Ou será que as armas que serviam a colecionadores foram selecionadas e preservadas? Com aquele triste episódio estava glorificada a lei que proibia cidadãos civis de adquirir, manter ou portar armas de fogo. Como todas as leis no Brasil, essa não era para todos: o capítulo das exceções era bastante extenso.
Por que revolver fatos que deveriam ser enterrados e esquecidos? Porque o tema está presente, não sai do nosso dia a dia. Vejamos: quais os assuntos que ocupam maior tempo nos noticiários de rádio e tv e espaço nos sites alternativos? Dengue e armas. Na verdade ambos têm em comum a corrupção que facilitam. Lembremos que no auge da epidemia, em 2020, pipocaram denúncias de apropriação indevida de valores que deveriam ser aplicados na aquisição de medicamentos e material hospitalar para tratamento das vítimas da doença.
Incidência de dengue: história triste sobre a incapacidade da população brasileira e das autoridades sanitárias de vencer o pernilongo transmissor; problema das armas, história igualmente triste sobre a incompetência ou desinteresse das autoridades responsáveis pela segurança do povo para conter o tráfico e a circulação principalmente de fuzis e munição que entram e saem das favelas e que chegam com certa facilidade a condomínios de luxo.
A discussão sobre desarmar a sociedade, envolvendo interesses de toda ordem, culminou com o Estatuto do Desarmamento, Lei 10 826/2003. Tal estatuto penalizava metade da população e privilegiava a outra metade. Se matematicamente fosse possível, poderíamos dizer que uma terceira metade, sem ter que prestar contas, foi excluída das obrigações e fortalecida pelos rigores que se impunham aos que não podiam possuir arma de fogo sem autorização expressa da Polícia Federal ou do comando do Exército. Esse grupo era formado na marginaldade por traficantes de drogas e milicianos.
Com a volúpia de apreender armas e processar quem as portasse ou delas fosse proprietário, os órgãos de segurança pública afrouxaram a vigilância sobre a bandidagem, que se organizou, cresceu e hoje dispõe de invejável arsenal composto principalmente de fuzis de fabricação estrangeira. Cresceu também a insegurança do cidadão comum, porque assaltantes e outros tipos de malfeitores constataram que dificilmente teriam que enfrentar reação de vítimas desarmadas. Nesta leva estão os trabalhadores que saem na madrugada e deixam em casa, apreensivos, esposa e filhos, mulheres igualmente trabalhadoras que são abordadas com violência nos pontos de parada de ônibus e estações de trem, estudantes, que são ameaçados até na porta da escola para entregar o celular e eventualmente perdem até a mochila com livros e cadernos. Em que um carregador de pasta de secretário de ministro é melhor que o restante da população brasileira?
Até o aparecimento do Estatuto do Desarmamento, em 2003, a compra e o porte e armas de fogo eram praticamente livres, qualquer um podia andar armado em qualquer lugar. Depois dessa lei, com suas regras proibitivas, a coisa mudou. Passado o vexame internacional a que nos expuseram autoridades sem noção, uma mexida aqui outra ali, traficantes e milicianos fortalecendo-se… chegou 2019, e a partir daí, por decretos da Presidência da República, os rigores da lei foram abrandando-se, principalmente para fazendeiros e empresas rurais e para desportistas cujas modalidades requerem armas. Ao mesmo tempo ia restabelecendo-se o inalienável direito do cidadão de dispor de meios para defender-se de eventuais investidas de bandidos, quer no trânsito de ida e volta para o trabalho, quer dentro de casa, no inalienável direito de defesa da família e da propriedade. Já não se fala do lazer, que, ameaçado pela violência, vem restringindo-se ao fundo de quintal ou o sofá diante do aparelho do televisão.
O que se tem hoje: apreensões quase diárias de fuzis e pistolas nas investidas policiais em favelas, onde alcançam os nichos de armas e drogas, mas a bandidagem continua mantendo troca de tiros com homens da Polícia e com integrantes de facções criminosas concorrentes, na disputa de território e defesa de seus pontos de venda de maconha, cocaína, crak, anfetaminas e outras drogas alucinógenas.
Tanto se fala de desarmamento quanto pessoas acumulam armas pesadas e abundante munição, segundo apuração policial, para distribuição a traficantes e milicianos. É a mercadoria de um comércio lucrativo, ainda que perigoso, mas que atrai tanto os arquitetos da importação e distribuição quanto os que se arriscam na execução dos planos.
Atribui-se a um presidente da República que jamais será esquecido, quer por suas boas obras, quer por outras nem tanto, a seguinte exortação ao povo: “ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil.” Referia-se aos perniciosos insetos que dizimavam as plantações e as colheitas. Hoje a afirmação poderia ser entendida com outro sentido, como referência à corrupção, por exemplo. Pegando carona nessa frase imortalizada, pode-se dizer: ou a Polícia acaba com a bandidagem ou a bandidagem acaba com a Polícia.
Se não tem tu vai tu mesmo
Este velho ditado, que teve grande aceitação e variado emprego, merece ser resgatado e aplicado à busca dos dois fugitivos da cadeia de Mossoró, dita de segurança máxima.
A operação caça-fantasmas envolve cerca de 600 agentes de segurança, incluindo Polícia Federal, Polícia Penal Federal, Polícia Rodoviária Federal, Força Nacional, Corpo de Bombeiros, policiais militares de Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Goiás. Faltou chamar a FSB, a BKA, o Mossad, o FBI, escoteiros, mata-mosquitos etc.
Tantos dias mobilizando tanta gente e tanto dinheiro posto fora com essa procura inútil! Então, para mostrar serviço, as forças de segurança, que não encontram os tus que procuram, apresentam tus quaisquer como parceiros dos fugitivos.
Até o fechamento desta edição, prosseguia a perseguição. Que desperdício! Deixem-nos sofrer; se estão na mata talvez acabem topando com uma onça faminta ou experimentando o rápido e certeiro golpe de uma serpente venenosa.