A crença proíbe pensar

Até hoje outra coisa não fez a crença senão ensinar a não pensar e aceitar tudo que ela institui sem discutir.

Quando a criatura se inicia em qualquer crença ou seita há que dizer amém a tudo. No seu âmbito não se admite censura ou a mais leve crítica. Sendo considerados sagrados os livros por ela adotados, jamais a criatura poderá contraditar em sua análise o significado do que eles expressam ou preceituam. Dentro dessa concepção, o espírito fica agrilhoado à forma e conduta neles estabelecidas. Se, porventura, deseja ir além daquilo que tais livros preceituam depara irremediavelmente com o mistério. E os sabichões pontificadores do mistério impõem logo: Pare! Recolha-se à sua insignificância! Não queira ir além do que lhe é permitido!

Assim, vive a criatura subordinada à crença, neste mundo cheio de enganos, erros e superstições. Se não aceitar o que lhe é ditado, consideram-no subversivo à ordem criada, como se neste mundo as coisas tivessem que permanecer estáticas.

A dinâmica da vida é evoluir, e isto não é possível sem raciocinar e estudar.

Tudo que o espírito humano cria ou constrói é susceptível de transformação, por mais perfeito ou certo que pareça. Nada escapa à ação evolutiva. O mando não para, nem tão pouco a mente humana. A ordem natural é progredir. Quando não houver lugar para continuar a evolução espiritual neste planeta, o espírito terá alcançado planos mais elevados.

A sua marcha, porém, não cessa com uma simples passagem na Terra, onde as experiências nos diversos ramos da vida são tão diferentes que o espírito precisa adquirir, cada dia, maior conhecimento de si mesmo e das coisas que o rodeiam. Limitar a vida às sensações físicas e de bem-estar material não é o mais alto degrau da existência terrena, nem a razão da evolução espiritual. Esta deve ser o objeto de estudo constante, raciocínio e uma vontade forte a serviço do Bem, das causas nobres e justas, que honram, elevam e dignificam a alma. De forma alguma o saber deve comportar o convencimento de que já aprendemos tudo. Há sempre o que aperfeiçoar e corrigir. Se não fosse assim deixaria de existir a razão da nossa estada neste mundo. E para o espírito evoluir não necessitaria fazer esforço, posto que de qualquer forma alcançaria o degrau final na escala do progresso. Neste caso, o esforço, o trabalho, a experiência de nada valeriam, nada representariam no progresso material e moral da criatura.

De nenhum modo é possível admitir-se tal concepção, profundamente contrária às leis da evolução. O homem há que lutar e responder pelos seus próprios erros, conscientes ou inconscientes. Nada lhe poderá atenuar os erros ou enganos que, porventura, haja cometido, senão a reparação própria de uma vida de luta desprendimento e valor.

Nem pensem aqueles que se acostumaram a ver as coisas pelo prisma do interesse e do peditório que escapam às leis de causa e efeito. Jamais poderão fugir do tribunal da sua própria consciência, único que não  condescende, e este é a própria criatura que exerce sobre si mesma. Ninguém pode interferir na responsabilidade de outrem, na vida espiritual, como pode acontecer na vida material. Cada um terá que assumir a responsabilidade dos seus atos. A isto fogem os comodistas e crentes educados no regime de que há um Ente  Supremo ou Guia para resolver o seu problema.

É uma forma de indolentizar o espírito, nulificando a experiência própria, porque, atribuindo a outrem a faculdade de julgar e atenuar os seus próprios erros, transfere o dever que cabe à própria criatura resolver. Ê uma maneira cômoda de fugir à culpa e capacitar-se a cometer novos erros.

Publicado  em 15 de janeiro de 1952.