Edith Irsigler
Há poucos dias, lendo um jornal, fiquei estarrecida com o destaque dado a uma reportagem a respeito de uma criança recém-nascida que fora abandonada em plena via pública, enquanto um cão pastor-alemão a protegia e lambia, correndo em volta como se ela fosse uma de suas crias.
Como podemos interpretar tal gesto? É de um animal? E o gesto de quem colocou a criança ao relento, seria uma atitude humana? Se dissesse que o cão teve um gesto humano poderia parecer absurdo mas o que se pode dizer de um ser humano que foi capaz de abandonar uma criança indefesa na rua?
Contemplando a natureza, muitas vezes nos emocionamos com cenas de rara beleza que tocam profundamente a sensibilidade. Outro dia me chamou a atenção um casal de gaviões que fez seu ninho na mangueira de um subúrbio do Rio de Janeiro, e como havia dois filhotes no ninho eles atacavam todas as pessoas que se aproximavam da árvore. Os moradores, talvez alheios ao que significa o zelo daqueles pais pelos seus filhotes, pediram a retirada do ninho.
Os animais protegem suas crias até que os filhotes estejam crescidos e independentes, mas, infelizmente, nem sempre o ser humano lhes segue o exemplo, apesar de tão orgulhoso de sua condição de ser racional. Por isso, a realidade nos mostra, a toda hora, exemplos de pais e mães que preocupados apenas com o ato instintivo de procriar, não se apercebem da importância de acompanhar o crescimento, dentro de um ambiente de diálogo, compreensão e amor, sem os quais expõem seus filhos a toda sorte de misérias humanas.
Fazendo uma séria reflexão sobre os fatos que observamos, chega-se à conclusão de que cabe aos pais conscientes orientar seus filhos também para as suas futuras responsabilidades como pais, o mesmo acontecendo com as filhas, pois a mulher moderna, mesmo atuando em todos os setores da atividade humana, é também mãe. Isto porque, embora nos causem profunda revolta fatos como o já relatado, é preciso compreender que muitas vezes uma mulher renega o seu próprio filho, levada pelo desespero do total abandono dos pais e principalmente do companheiro, que cúmplices todos da sua desgraça, a empurram para esse verdadeiro caminho de insensatez e total desrespeito à vida.
Publicado em janeiro de 1987