A odisseia de Aristóteles

“É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer.”

Aristóteles

Aristóteles estava de novo em Atenas em 335 a.C. (fato a que já aludimos aqui), tendo vindo da cidade de Assos, para onde se havia retirado depois da morte de Platão, em 347 a.C., atendendo a um convite real, de Hérmias, antigo companheiro de estudos na Academia platônica. Este se tornara senhor de grande território na Ásia Menor e, como lhe dissera Platão que o poder tem de ser exercido com sabedoria e justiça, concluíra que não haveria ninguém mais indicado que Aristóteles, ex-colega de Academia e maior discípulo de Platão, para atuar como seu orientador e conselheiro e, assim, ajudá-lo a fazer um bom governo.

Antes de convidar Aristóteles, Hérmias já havia patrocinado em Assos a criação de uma escola platônica, que entregara à direção dos dois autores da Constituição do país, Erasto e Corisco, ex-alunos da Academia.
Em Assos, além de orientar Hérmias a agir seguindo princípios que lhe propiciassem fazer um governo sábio e justo, Aristóteles passara também a ensinar nessa escola. (Tivera ali como um de seus alunos Teofrasto – 372-287 a.C. –, que viria a se tornar seu mais importante discípulo, além de grande cientista.) Ademais, nosso filósofo casara-se com Pítia, a encantadora filha adotiva de Hérmias.

Desiludido

No entanto, não tardara Aristóteles a perceber que, na verdade, Hérmias não permitia que a razão e a justiça interferissem no seu afã de acumular riquezas, até à custa de esbulho. Desiludido, reconhecera, então, ter falhado em sua missão de ensiná-lo a governar com equidade. Conseguira, contudo, casar-se com Pítia e, com o casamento, o belo dote que ela havia trazido consigo. Logo tratara de empregar o dinheiro, alcançando assim independência econômica e financeira. Em pouco tempo, porém, ficara viúvo. Casara-se novamente, dessa vez com uma escrava – alforriada por ele –, de nome Hérpiles, com quem teve um filho, chamado Nicômaco, mesmo nome do avô.

Teria sido nessa época, acreditam historiadores da filosofia, que Aristóteles haveria escrito o livro “Sobre a Filosofia”, contra o “pitagorismo” da Academia.

Triste fim de Hérmias

Uma das ambições de Hérmias – fruto de sua sede de riquezas e de grandeza política – era unificar a Macedônia e a Pérsia. Suas intrigas, porém, provocaram a ira do rei persa, e forças persas invadiram o país, aprisionaram-no e o crucificaram.

Aristóteles, abalado e mais que lampeiro, tivera de deixar o palácio real de seu finado amigo e mudar-se para a cidade de Mitilene.

Foi no período em que esteve em Mitilene que, ainda segundo historiadores da filosofia, teria escrito suas primeiras obras sobre biologia. Encontram-se nelas numerosas referências a plantas e animais da ilha de Lesbos, terra de Teofrasto, que o auxiliou nesse trabalho e em outros, também de caráter científico.

“Filhote indomado de um leão feroz”

Aristóteles permanecia ainda nessa cidade quando, em 342 a.C., recebera, mais uma vez, o chamado de um amigo real, agora do rei Filipe da Macedônia, que o convidava a residir em seu palácio para incumbir-se da educação de seu filho Alexandre.

Não se sabe, observa Marilena Chauí, que educação Aristóteles, como preceptor do filho do rei, teria ministrado a seu pupilo, mas, pelos escritos aristotélicos sobre política, pode-se deduzir que, pelo menos, duas ideias o mestre haveria incutido no “filhote indomado de um leão feroz”:

1) que a Grécia precisava ser unificada num governo central, senão seria impossível sobreviver dividida em cidades-Estados rivais;

2) que a Macedônia era mais grega que oriental, que havia diferenças profundas entre gregos e ‘bárbaros’ e que não era possível unificá-los.

É evidente, como bem nos mostra a História, lembra Chauí, que Alexandre deu prioridade à execução da primeira ideia. Sabe-se, diz ela, que Aristóteles escreveu, para a instrução de Alexandre, duas obras: Da Monarquia e Da Colonização, mas delas não restaram senão alguns fragmentos; e que ainda nessa época ele teria iniciado a escrever sua “mais gigantesca obra política” (Constituições), a qual, com exceção de uns poucos fragmentos e referências em outros autores, também se perdeu.

Depois que o rei Filipe morreu e Alexandre subiu ao trono e se lançou à conquista do Oriente, Aristóteles, voltamos a lembrar, regressou, em 335 a.C., à cidade de Atenas e fundou sua escola, o Liceu.

Voltara acompanhado da segunda esposa, Hérpiles, e do filho Nicômaco. Acompanhavam-no também o discípulo e cientista Teofrasto, que Aristóteles nomeará como seu sucessor na direção do Liceu, e Eudemo (370-300 a.C.), outro importante discípulo dele e amigo de Teofrasto.