A solidariedade sadia

Vivemos em um mundo muito individualista. A maioria das pessoas se preocupa unicamente com o bem-estar e crescimento material próprios e da família.  É claro que esses dois fatores são importantes. Isso não quer dizer, porém, que devamos virar as costas àqueles que nos pedem ajuda. Assim, vamos falar sobre como auxiliar o próximo sem que isso gere prejuízo material e emocional a nós, isto é, sobre como exercer a solidariedade de maneira sadia.

Não há como negar: sempre nos sentimos em paz logo após ajudarmos alguém. Nesse sentido, é infalível o lema “fazer o bem sem olhar a quem”. Ao ajudar, estamos ajudando-nos. No entanto, uma reflexão honesta sobre o assunto precisa levar em conta alguns riscos: infelizmente, há pessoas que abusam de nossa boa vontade, querendo que resolvamos todos os problemas para elas. Não raro, algumas não só exigem muito de nós como, ainda, não retribuem quando têm a oportunidade. Bem, é aí que surgem pertinentes e válidas questões. Como exercer o bem de maneira segura? Como ajudar sem que isso nos prejudique? Como podemos defender-nos de quem exige muito de nós?

Essa é mais uma das várias situações em que os conceitos do Racionalismo Cristão podem ser úteis. Essa filosofia centenária nos ensina que devemos, sim, cuidar do próximo. Há várias formas de fazê-lo, como dar exemplos de boa conduta, oferecer uma palavra amiga, dedicar alguns minutos do dia para ouvir essa pessoa de maneira que ela se sinta acolhida, transmitir pensamentos positivos antes da limpeza psíquica, aconselhar etc.

Agora, nunca é demais lembrar que, para ajudar alguém, é preciso estar em paz consigo mesmo. Para tanto, o Racionalismo Cristão recomenda a limpeza psíquica duas vezes ao dia. Ela traz maior equilíbrio interior ao indivíduo. Assim, fica bem mais fácil auxiliar o próximo. É como se fôssemos um guarda de trânsito que ajuda um pedestre perdido na rua. Para lembrarmos bem do mapa da cidade, precisamos estar tranquilos. Do contrário, não conseguiremos ajudar.

O individualismo é muito prejudicial à nossa evolução neste mundo-escola. Até porque essa atitude frente à vida, desculpem pela palavra mais forte, não deixa de ser hipócrita em certa medida: todos nós fomos ajudados um dia, não? Seria muita inconsequência de nossa parte achar que não precisamos retribuir em algum momento. A corrente do bem precisa ser alongada sempre que possível. É claro que temos que estender a mão às pessoas que nos cercam. No entanto, também temos que saber quando é melhor recolhê-la, até para podermos ajudar a pessoa que nos dirige um apelo.

Vamos direto ao ponto. Há pessoas que realmente exigem muito de nós, de maneira consciente ou não, nos vendo como uma espécie de “terapeuta 24h”: desabafam seus problemas, reclamam assim que surge qualquer dificuldade, pedem conselhos ou até ajuda financeira, e por aí vai. Todos os nossos leitores já tiveram que lidar com alguém assim, não?

Acontece que temos uma quantidade diária de energia anímica a ser gasta ao longo do dia. Parte deve ser destinada a amparar o próximo, sim. Precisamos dela para vencer nossos desafios diários, dar conta de uma tarefa importante que nos foi delegada; conseguir superar nosso narcisismo e ser humilde o bastante para reconhecer os erros cometidos; resistir a tentações de praticar o mal; estudar para aquela prova importante… Os exemplos são vários. Como dar conta de tudo, se gastarmos quase toda nossa energia ajudando os outros?

É preciso ser um bom administrador nessas horas. Imagine que nossas vidas são uma empresa e que temos gastos diários para fazê-las funcionar. Nesse exemplo, o dinheiro é nossa energia. Temos uma quantidade limitada disponível por dia. Caso acabe, não há mais de onde tirar e teremos que esperar o dia seguinte. Agora, vamos refletir: quanto desse “dinheiro” vamos destinar à nossa família? Quanto ao trabalho? Quanto ao cuidado com nossa saúde? Quanto com nosso lazer? Quanto com quem pede ajuda?

Essa é uma das formas de raciocinar. O bom administrador é aquele que sabe de quanto cada setor da empresa precisa para funcionar minimamente bem. É aquele que sabe que não se pode investir quase tudo em uma área e deixar as outras desamparadas. Na vida é a mesma coisa. Temos que dar conta de inúmeras tarefas ao longo do dia, sobretudo no trabalho, faculdade e no lar. Cuidar dos filhos, gerenciar os gastos da casa, praticar exercícios físicos, preparar-nos para reuniões, lidar com imprevistos… Cada uma dessas situações demanda uma quantidade de energia. É preciso administrá-la bem.

Precisamos saber a hora certa de dizer “não” a quem exige demais de nós. Isso não é individualismo, egoísmo ou narcisismo: é autopreservação. Para sermos solidários, não precisamos sacrificar-nos física, material e emocionalmente. Isso deve estar claro para todos. Assim como o individualismo, a entrega irrestrita de nós mesmos aos outros é muito prejudicial no fim das contas, já que nos impede de cumprirmos os nossos muitos deveres.

Provavelmente essas pessoas que nos exigem muito vão reagir mal diante de nossa recusa, nos chamando de “egoístas”, “individualistas” etc., mas, na verdade, o egoísmo é delas. Afinal, são elas que estão pensando somente em si mesmas, são elas que não entendem que todos têm problemas e desafios a serem vencidos. Não estamos virando as costas totalmente. Estamos, isso sim, nos defendendo de situações que demandam mais do que podemos entregar.

Nunca é demais lembrar: o Racionalismo Cristão incentiva a solidariedade ao próximo, mas uma solidariedade sadia, que não sacrifica aquele que ajuda e nem faça do ajudado um eterno dependente. Temos que estender a mão, mas não o braço inteiro… É essa a ideia do item 5 da Síntese dos princípios racionalistas cristãos, que consta do livro Racionalismo Cristão: “Estender seu auxílio a quem dele necessitar, quando os meios e a oportunidade o permitirem, mas não contribuir para sustentar a ociosidade e os vícios de quem quer que seja”. Assim conseguimos cumprir nossos outros deveres, tendo, como merecida recompensa, o atingimento de mais elevado grau de evolução espiritual.

Boa Leitura!