Aleluia, habemus vacina anticovid

Foi uma guerra entre o bom senso e o “que se dane” com bate-bocas e bate-panelas. Depois de muitos pronunciamentos vãos, conversas fiadas, gente querendo aparecer, outra gente dizendo que estávamos diante de uma gripezinha, terceiros desacatando as recomendações da Organização Mundial de Saúde e desrespeitando pública e acintosamente os protocolos, como a recomendação do uso de máscara, vivemos o que poderá ser nossa redenção. Chegou a vacina, estamos salvos (estamos?) do coronavírus e sua consequente covid.

Não foi fácil. Antes se formaram torcidas e até bancas de apostas: qual chegaria primeiro? Oxford? Astrazeneca? Sinovac? Coronavac? Sputinik 5? Ou haveria alguma vacina genérica correndo por fora?

A favor da vacina, ou das vacinas, observamos o seguinte argumento: qualquer vacina é melhor do que nenhuma vacina. Questão de lógica. Como fator de descrédito nos vêm as informações sobre a eficácia comprovada delas. Um fabricante anuncia que seu produto garante 50 por cento de eficiência. Ora, também por questão de lógica, 50 por cento significam imuniza ou não imuniza, o paciente fica vivo ou morre.

Antes da batida do martelo pela Anvisa, assistimos a situações deploráveis como o descaso de pessoas que, nem diante do quadro miserável que se abateu sobre a cidade de Manaus, onde pessoas morriam por falta de balas do oxigênio que lhes prolongaria a vida, tiveram consciência de evitar aglomerações. Nesse mesmo período crescia o número de infectados pelo vírus e o de mortos em consequência da covid.

Então, podemos imaginar o que está por vir no pacote. Em clima de alegria, haverá longas filas iniciadas em muvucas formadas diante de postos de saúde, clínicas da família e assemelhados; camelôs não perderão a chance e vão oferecer frascos de vacina produzida em laboratórios emergencialmente instalados do lado paraguaio sob a Ponte da Amizade; vozes características evolarão de megafones anunciando vantagens do produto paralelo: ”Na minha mão é mais barato, é importado, não é preciso enfrentar fila, já vai com agulha e seringa”, naturalmente resgatadas de algum vazadouro de lixo hospitalar.

Seguirá o pregão, enquanto guardas municipais ou policiais militares estarão tentando organizar as filas. Ninguém lhes terá dito que fila organizada não tem graça, fica parecendo parada militar. Fila é aquela desordem em que várias pessoas se ajeitam da melhor maneira para ler, conversar, proteger-se do sol ou da chuva, jogar pelo celular, encostar, para descansar, de preferência chapando a sola do sapato ou sandália de dedo no muro ou parede disponível. Que se dane quem pintou, que pinte de novo para outro irresponsável sujar de novo.

A fila não anda, a confusão à entrada do estabelecimento hospitalar se fortalece, ninguém mais se entende, até que alguém anuncia: “a vacina acabou, só vai chegar mais amanhã”.

A balbúrdia e desconforto durarão alguns dias, ao menos até que o número de vacinados seja igual ao de contaminados. Esse dado será de fácil comprovação levando-se em conta o empenho do consórcio de órgãos de imprensa formado para impedir que os governos mascarem os estragos que o vírus vem causando. E ainda resta um dado desesperador, mas que bem pode ocorrer: greve dos profissionais encarregados da vacinação e dos serviços paralelos por não haverem recebido seus salários. Mais um motivo para dispersão da fila e da muvuca. E agora? Voltar no dia seguinte? Acompanhar a evolução da greve pelo noticiário da TV? Eis que em tempo ressoará boa notícia: terá aparecido dinheiro para pôr os salários em dia e os profissionais da saúde retornarem à ativa.

Simultaneamente à fila de quem estará procurando a vacina, em sentido oposto levas de incrédulos fugirão dos locais de vacinação.

Claro, amigo leitor, trata-se de uma visão muito pessimista, que não é própria de A Razão, mas é preciso estar atento, precavido. O exercício de futurologia é pessimista, mas descreve um quadro que se ajusta a situações semelhantes. E nem tratamos aí dos “fura-filas” que já estão sendo noticiados e do risco da rolar propina para beneficiar esse ou aquele grupo.

Voltando à tônica desta coluna, reforçamos a esperança de que nenhuma das maldades aqui descritas ocorrerá e que a vacinação do nosso povo transcorrerá em paz, sem imprevistos ou acidentes de percurso, como está acontecendo nos países civilizados. É preciso ter em conta que a vacinação suprirá a falta de leitos hospitalares apropriados para os infectados pelo vírus, a falta de pessoal médico e paramédico especializado e a necessidade dos insumos cuja carência tem sido motivo de denúncias e reclamações.