1 – Concepção platônica de alma.
De acordo com Platão, um princípio organizador, de natureza “divina” ou espiritual, o “Demiurgo”, fazendo uso da “matéria universal”, produziu o “mundo sensível” (percebido por nossos olhos e demais sentidos), mundo esse regido e animado pela “Alma do Mundo”, ou “Alma Universal”. Esse elemento imaterial é responsável, através de suas parcelas ou “almas individuais”, pela mobilidade e pelo eterno processo de mudanças do mundo sensível.
A Alma do Mundo, que evolui servindo-se da matéria universal, manifesta-se das mais diversas formas e maneiras. O Universo é, na verdade, um imenso organismo vivo.
A alma individual, ao fixar sua essência num corpo terreno, este, a partir de então, acionado pela alma, parece mover-se por si mesmo. Essa união de alma e corpo chama-se ser vivo. Uma vez, porém, que a alma se liberta da prisão do corpo, este morre, mas não a alma, por ser dotada de vida eterna.
Imortal e imutável, a alma humana, além de dar vida ao corpo, é causa também de outras coisas que se passam nele, como desejos, apetites e paixões. Tais atributos, tão distintos, organizam-se em três partes da alma, tendo cada uma dessas partes uma atribuição:
• a da concupiscência é a sede dos desejos, dos apetites e das paixões, como amar, comer, beber…
• a irascível, responsável pela sobrevivência do ser humano, é a sede da “raiva” contra tudo que ameace a vida.
• a inteligível é a sede da razão, que conduz à sabedoria, da memória e do intelecto, faculdades que possibilitam o conhecimento.
2 – Teoria da reminiscência
Platão pretende mostrar, em dois de seus diálogos (Fédon e Mênon), que aprender é recordar algo que já sabemos, mas que está adormecido em nós. Isso, no entanto, não poderia acontecer se a verdadeira “pátria” da alma não estivesse em outro “lugar” e em outro “tempo”.
Como é possível a certas almas humanas ultrapassar as aparências ilusórias do mundo sensível? É que o mundo de origem da alma é uma região “divina” onde ela contempla as Ideias. É de lá que a alma vem para encarnar num corpo físico. E o fato de tanto ver as coisas sensíveis (pálidas e imperfeitas cópias das Ideias) pode despertar nelas (certas almas) conhecimentos latentes – lembranças adormecidas que lhes vêm daquele mundo ideal. É o que Platão chama de “anamnese” (em grego, “anámnesis”, reminiscência, recordação).
Platão ensina, porém, que toda alma – e não apenas algumas – poderia elevar-se das coisas múltiplas e mutáveis do mundo sensível às Ideias unas e imutáveis do mundo inteligível pela dialética. Existe uma “dialética do espírito”. Com efeito, a harmoniosa clareza da matemática lembra a ele a ordem e a luz do mundo inteligível. Essa ciência exata, “quando a gente a estuda para saber e não para fazer negócio, pode abrir à alma o caminho que a levará da esfera das coisas perecíveis à contemplação da verdade e do Ser”.
No Mênon, Sócrates, personagem principal dos diálogos platônicos, conversa com um criado para provar que essa criatura simples, que nada sabe de geometria, pode, por meio de hábeis perguntas, lembrar-se do conhecimento obtido anteriormente pela alma e então entender complicados teoremas.
“Então”, remata o filósofo, “estando toda a natureza relacionada e tendo a alma o conhecimento, em estado latente, das coisas do mundo das Ideias, nada impede que, lembrando-se apenas de uma coisa – isso que as pessoas chamam de aprender –, chegue a descobrir todo o resto, se for corajosa e não se cansar de investigar. Porque investigar e aprender nada mais é que recordar.”