Até mesmo a alma é um composto de átomos, diz o atomista Epicuro

Por estabelecer cânones para reger e orientar as formas de conhecer, a teoria epicurista do conhecimento recebeu a denominação de canônica. (Entenda-se por “cânones”, nesse caso, “as normas que constituem um método”.)

A lógica de Epicuro ensina que o saber resulta daquilo que nossos sentidos são capazes de captar do mundo, ou seja, o conhecimento tem início na experiência sensível. Repetidas muitas vezes e, assim, guardadas na memória, as experiências formam as noções gerais, ou conceitos.

O que ocorre é um fenômeno que o filósofo chama de “antecipação”. Exemplificando, diz ele: “Ao ouvirmos a palavra ‘cavalo’, sabemos exatamente do que se trata, porque nossas experiências sensíveis, armazenadas em nossa memória, nos indicam o que é um cavalo. Desse modo, no instante em que ouvimos essa palavra, antecipamos a presença dele, porque, embora o animal não esteja sendo, nesse momento, apreendido por nossos sentidos, sua imagem está armazenada em nossa memória”.

Juízos. Não se formam juízos senão com grande quantidade de antecipações, afirma Epicuro.

Ele e seus discípulos adotavam dois métodos de verificação para saber se um juízo era falso ou verdadeiro. Se correspondia ao que era captado pelos sentidos, era verdadeiro; nos casos em que a observação sensível não era possível, cumpria-lhes verificar se havia ou não contradição entre o juízo e as experiências guardadas na memória.

Adesão ao atomismo. Epicuro era ainda jovem quando entrou em contato, na cidade de Teos, com a teoria atomista de Demócrito (460-370 a.C.), da qual viria a reformular alguns pontos.

A conjugação do conhecimento sensível e do conhecimento racional foi, conforme Epicuro, o que permitiu a ele justificar sua adesão ao atomismo de Demócrito.

Como esse pensador, admite Epicuro ser a matéria formada por átomos, “partículas infinitesimais, invisíveis, indivisíveis, incorruptíveis, incausadas e eternas”.

Contrário, porém, ao rígido mecanismo da Física dos dois pioneiros do atomismo, Leucipo (meados do século V) e Demócrito, introduziu Epicuro nessa teoria a noção de “desvio“, segundo a qual podem os átomos desviar-se e chocar-se. Isso em qualquer momento de suas trajetórias e sem nenhuma razão mecânica.

Se os sentidos, diz Epicuro, atestam o movimento como uma evidência, é lícito reconhecer como verdadeira a teoria atomista, pois ela proporciona uma explicação racional para o movimento ao concluir e afirmar que “tudo é constituído de átomos, que se movem no vazio”.

Desvio e arbítrio. Segundo Epicuro, essas ínfimas partículas se movimentam na vertical, de cima para baixo.

Tal movimento, eterno, está sujeito, às vezes, ao mencionado desvio, “uma declinação que introduz nessas partículas um princípio de liberdade, de arbítrio, de imponderabilidade, em um jogo de forças estritamente mecânico – a ruptura da necessidade, no plano da Física, para acolher a contingência”.

Não há como negar a racionalidade desse desvio, garante Epicuro, baseado em sua teoria canônica do conhecimento. Com efeito, observa ele, a evidência imediata revela que existe um ser (o homem) que, constituído de átomos, como os demais seres do Universo, manifesta a possibilidade de arbítrio.

Por meio desse atributo, pode o indivíduo alterar os rumos de seu viver ou, pelo menos, “modificar sua atitude interior ante os acontecimentos”.

Para Epicuro, a faculdade do arbítrio no ser humano encontra explicação nesse suposto desvio que, conforme nosso filósofo, ocorre nas trajetórias atômicas.

“Inconcebível seria admitir que um composto (o homem) apresentasse atributos inexistentes em seus próprios componentes (os átomos).”

A propósito, cumpre-nos observar que, segundo o atomista e materialista Epicuro, até mesmo a alma é um composto de átomos, átomos esses por ele   qualificados de “sutis”, mas, “de qualquer modo, de natureza material”. Assim sendo, conclui, estão sujeitos, como os do corpo, à desintegração. Ou seja, morto o corpo, morta a alma.

Infinitos mundos. Se infinita é a vastidão universal, argumenta Epicuro, há infinitos mundos e, por consequência, infinitos átomos. Unindo-se e separando-se no espaço, em função de forças mecânicas, os átomos determinam a formação e a desagregação dos mundos, “cada qual com seus seres, produto da evolução”.