Cavalo não tem chifre, é perda de tempo procurar

Em um lampejo de lucidez, o Governo do estado do Rio de Janeiro reconheceu a incapacidade de enfrentar os bandos de milicianos e traficantes e jogou a toalha. Como não consegue fazer valer sua autoridade, se tem a seu favor a lei, os outros dois Poderes, a sociedade organizada e as pessoas de boa vontade que dariam a vida para ver restabelecidas a segurança e a paz na capital e em alguns municípios que já estão infestados de indivíduos que nossos avós chamavam de coisas ruins?

 Elementar, caro leitor: o mal que se procura combater fora na verdade jorra de dentro. E o que jorra de dentro com tanta intensidade capaz de anular os esforços e investimentos que objetivam enfrentar e vencer o mal? A corrupção, caro leitor. Ou haverá outra explicação mais serena, mais bem construída e menos impactante? Quem sabe? Não se pode dizer que todo mal na Terra está ligado a alguma forma de corrupção, mas se pode dizer, com certeza de 100% de acerto, que toda e qualquer forma de corrupção causa algum dano a terceiros.

O governador do Estado pediu ajuda das forças de segurança federais para combater a violência no Rio de Janeiro; à Polícia Federal (PF) e à Polícia Rodoviária Federal (PRF) pediu reforço nas ações de investigação e no policiamento das fronteiras do país para evitar a entrada de armas, e citou a conclusão a que todo ser pensante neste país havia percebido há muito tempo: “O Rio de Janeiro não produz armas, não produz drogas, se isso está entrando é porque nossas fronteiras estão ficando desprotegidas”. Brilhante!

Prontamente o ministro da Justiça atendeu o apelo – é claro que longas negociações haviam sido concluídas em off – e anunciou programa de R$ 900 milhões para combater o avanço das organizações criminosas até 2026, no Estado do Rio e na Bahia.

O governo federal oferece reforço de 570 agentes, entre policiais federais e contingentes da Força Nacional, e quer a construção de presídios de segurança máxima. Dinheiro mal empregado, melhor seria construir salas de aula e pagar salários a professores e não a guardas penitenciários que terão que ser contratados.

Pelo pacote de ajuda, serão tomadas medidas para integração institucional e informacional; para aumento da eficiência dos órgãos policiais; para atuação em portos, aeroportos, fronteiras e divisas; para aumento da eficiência do sistema de Justiça Criminal; e para cooperação entre os entes. O secretário-executivo do Ministério da Justiça afirmou estar buscando “conforto jurídico” para que as Forças Armadas possam ajudar na segurança pública. Tem-se, então, que o ministério tenta encontrar uma solução, viável do ponto de vista legal, para a atuação das Forças Armadas na segurança pública. Melhor notícia, considerando-se a ansiedade popular.

Os federais, segundo se afirmou, agirão no Rio de Janeiro sob o comando estadual. Como pretendem agir os federais? Monitoramento os portos será um dos focos. O governo pretende usar equipamentos de alta tecnologia para detectar drogas nas cargas. O governo vai propor a cooperação entre Judiciário e Ministério Público para tornar mais eficiente a punição aos criminosos e as investigações das facções. Vai propor também alterar a legislação penal pelo Congresso Nacional para evitar “brechas” que levem à impunidade das organizações criminosas.

Outra meta prevista é melhorar as unidades de recuperação de ativos das Polícias Civis que atuam na apreensão de bens dos bandidos, como aviões e veículos, estratégia para ‘quebrar’ o poder econômico da criminalidade e identificar canais de lavagem de dinheiro.

Um leigo em segurança pública, mas que experimenta diariamente tiroteios daqui pra lá e de lá pra cá, haveria de ter uma solução a encaminhar às autoridades do setor, dispensando-as de procurar chifre em cabeça de cavalo por meio de sua inteligência e de bater cabeça à procura de armas e drogas nas vielas das favelas, se estas podem estar armazenadas até em insuspeito dúplex na Barra da Tijuca.

A proposta viria a partir da indagação: ora, por que tanto tiro? Porque há muita arma. Diminuindo o número de armas, será reduzido o número de tiros. Como diminuir o número de armas? Localizando a fonte e monitorando-as até chegarem à cidade do Rio de Janeiro. Ao chegarem, será o momento de dar o bote: elas serão apreendidas, seus receptadores presos, e não será surpresa se entre eles houver um agente da lei dando cobertura. Como localizar a fonte? Cada arma capturada nas quase totalmente inúteis investidas policiais oferece esse indicativo.

O que requererá maior sacrifício: fazer uma limpeza na casa ou estender uma capina e varredura quintal afora até os confins? Vamos então ao mais simples sem estratégias mirabolantes.

Está comprovado que atuações pontais de forças federais não exterminam a criminalidade nem seus praticantes. São apenas paliativos. Durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente, a Rio 92, em junho de 1992, forças federais atuaram na segurança do Rio. Foi a primeira vez.  Militares e tanques permaneceram em pontos estratégicos, especialmente no caminho onde passavam as delegações estrangeiras. A Rocinha e o Vidigal foram ocupados.

De lá até nossos dias são três décadas de trabalhos conjuntos e pontuais, com acertos e fracassos. Em novembro de 1994, os militares estiveram em praticamente todos os pontos de votação para garantir o bom andamento das eleições. Meses antes, as eleições para deputados federais e estaduais tinham sido anuladas por fraude. Nesse mesmo ano, militares ocuparam favelas.

No topo do morro do Borel, retiraram uma cruz supostamente colocada por uma quadrilha e hastearam no lugar uma bandeira do Brasil. Mais tarde, se descobriu que a cruz havia sido colocada ali por religiosos. Em 1995, o Exército foi novamente acionado. Desta vez para conter uma onda de sequestros. Durante o carnaval de 2003, o Exército voltou à capital. Blindados e militares dividiram as ruas com os foliões.

Em 2007, a vinda ao Rio, que seria para dar suporte aos Jogos Pan-Americanos, foi antecipada por causa de uma sequência de atos violentos. Em 2008, o Exército ocupou o Morro da Providência, no Centro. O resultado foi uma tragédia: um grupo de militares deteve três jovens entre 17 e 24 anos e entregou-os a traficantes de uma facção rival. Os corpos foram encontrados com dezenas de perfurações. 2010 foi um ano emblemático, com destaque para as tropas militares na ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha. A ação durou dois anos.

As Forças Armadas sempre estiveram presentes para dar segurança aos períodos eleitorais e em grandes eventos, como na Jornada Mundial da Juventude, em 2013, e na Copa do Mundo, em 2014. Nesse mesmo ano, as Forças Armadas ocuparam o Complexo da Maré. Houve resistência por parte dos bandidos e os tiroteios não cessaram. A ação durou um ano e três meses. Vinte e sete militares ficaram feridos em confrontos. Nove pessoas morreram, entre elas um sargento. Foi a primeira morte de um militar durante um processo de pacificação.  

Houve 674 prisões e 255 apreensões de menores; 2016, ano da Olimpíada do Rio. Em julho de 2017, o governo federal deu início a mais uma ação. Em 2018, veio a intervenção federal na segurança pública do Estado. Foram quase onze meses de Forças Armadas nas ruas.