Como driblar as dores no jogo da vida

Um dos temas que suscitaram grande interesse dos ouvintes em nosso programa ao vivo Racionalismo Cristão, uma filosofia para o nosso tempo, na Rádio A Razão, foi como driblar as dores  no jogo da vida, porque em todos os períodos, por mais remotos que sejam, e em todos os lugares, o ser humano sempre buscou formas de evitar dores e sofrimentos. Porém, consolidaram-se em grande parte da sociedade um pensamento simplista e outras mentalidades que poderíamos chamar de materialistas, que coincidem em limitar a vida aos aspectos do sofrimento e da dor, como se ela se resumisse nisso. Para os simplistas, as exigências de uma vida íntegra e plena com os respectivos desafios que ela implica sufocariam a expressão de beleza que, a priori, deveria constituir sua base; para os materialistas, as dores adstritas à própria natureza vital seriam uma realidade totalitária. O resultado é o mesmo: desconhecem a profundidade da vida e seu aspecto amplo e profundo.

A experiência do ser humano esclarecido espiritualmente ensina-lhe precisamente o contrário: não existe sofrimento, por mais intenso que seja, que não traga subjacente uma importante lição, que em curto, médio ou longo prazo repercutirá em benefício próprio e muitas vezes coletivo, desde que assuma uma postura de resignação, abertura e convicção de que não existem punições ou castigos malévolos. O mal em si mesmo não possui significação alguma.

Hoje em dia, grande parte da sociedade critica a vida de forma constante e exagerada. Essa crítica deve ser considerada com seriedade e não simplesmente posta de lado, alegando-se falta de compreensão; ela não poderá ser anulada por meio do distanciamento daqueles que já se esclareceram; ao contrário, é no intercâmbio fraterno que diminuirão as tensões características da vida e se ampliará a compreensão dos fenômenos que a envolvem. Antes de mais nada, é falta de realismo pensar que a postura desesperançosa por parte daqueles que sofrem ou mesmo a sede de conhecimento no sentido de como driblar essas dores não tenham autenticidade, reduzindo-as, assim, a uma atitude egoísta e infantil.

“Uma vida sem busca não merece ser vivida”. Essa é uma afirmação atribuída a Sócrates, na qual acreditamos firmemente. Na realidade, estamos buscando algo a todo momento; a necessidade de realização é uma constante no gênero humano. E por que isso acontece? Sem dúvida porque todos temos vocação à plenitude, ao aperfeiçoamento e ao desenvolvimento contínuo e cada vez mais intenso.

A consulta às fontes da espiritualidade baseada em princípios ético-morais nos fornece elementos positivos para afirmar que uma forma segura de desviar-nos das adversidades no jogo da vida é orientar nossa existência sob a égide da razão, procurando direcionar nossas ações de acordo com princípios de elevada conduta.

A autêntica forma de ação racional só pode ser considerada como tal quando sustentada por valores cristãos sem os quais o indivíduo se vê perplexo diante dos embates da vida. Sem dúvida, há formas de evitar dores e sofrimentos desnecessários. Sempre que o indivíduo age no sentido de respeitar a si próprio e a seu semelhante como uma extensão de si mesmo, trabalha na edificação de uma vida mais suave e consegue superar corajosamente os desafios que se lhe apresentam.

Em um primeiro momento, dor e sofrimento parecem vocábulos sinônimos; contudo, há uma diferença conceitual. Enquanto a dor se conecta ao aspecto fisiológico, o sofrimento tem uma dimensão psíquica. A dor e o sofrimento conduzem, não raras vezes, a um voltar-se para a transcendência, como também a um exame da própria vida. Esse modo de compreender o aspecto pedagógico desses sentimentos liberta o ser humano de especulações desnecessárias. Essa liberdade, por outro lado, deve redundar também como capacidade de repúdio a tudo que é moralmente inadequado, a tudo que obsta o crescimento pessoal.

Uma visão da dor desligada de qualquer referência à espiritualidade conduz à negação de seu sentido e limita a experiência humana aos aspectos circunstanciais, empobrecendo-a radicalmente. Por mais legítima que seja a busca da felicidade pela ausência da dor, sabemos que nem sempre isso é totalmente exequível, mas devemos evitar, sempre que possível, dores e sofrimentos. Logramos êxito nesse sentido todas as vezes que pautamos nossas atitudes em critérios de elevada ética, mas uma vez que os sofrimentos surjam em nossas vidas não podemos desesperar-nos; Ao contrário, devemos enfrentá-los com dignidade, procurando colher os ensinamentos que eles trazem consigo.

Para tornar a sociedade mais humana e, por conseguinte, mais digna, é necessário torná-la mais espiritualizada. Não se pode regular a vida com o único objetivo de buscar o prazer ou evitar a dor – limitar-se-ia demasiadamente a experiência humana. É legitima toda ação que procura evitar o sofrimento, bem como toda ação que procura o prazer circunscrito nos limites da razoabilidade, mas queremos deixar claro também que é através do esclarecimento espiritual que o ser humano pode mudar positivamente sua própria realidade, impactando o mundo a sua volta. A mudança à qual nos referimos não se traduz na anulação da realidade material, com a respectiva dimensão do sofrimento. Quem acredita ser possível uma vivência espiritualizada apartada da realidade material engana-se totalmente. Espiritualidade e materialidade não são compartimentos estanques, nem conceitos que se anulam. Todas as dimensões se interpenetram, e em todas elas há possibilidades de desenvolvimento. Aí reside a beleza do processo em que a humanidade está inserida.

Sabemos que não é fácil para o ser humano visitado pela dor e pelo sofrimento manter o equilíbrio e a calma na apreciação dos fatos. Todavia, temos profunda convicção de que as virtudes humanas adquiridas pelo desenvolvimento dos atributos espirituais fornecem a cada um os subsídios necessários para o alcance da verdadeira felicidade, que não tem relação, como já demonstramos, à ausência plena da dor.

Quando despertamos para a espiritualidade, ficamos livres de condicionamentos e padrões sem sentido, de expectativas angustiantes e de preocupações quanto aos julgamentos das pessoas. Cônscios de nossa essência espiritual e de nossa origem, sentimo-nos íntegros e saudáveis. As dores e os sofrimentos não encontram receptividade em nosso interior. No momento em que nos compenetramos dessa realidade, os sentimentos negativos se transformam pela ação do esclarecimento espiritual, nossas ações produzem bem-estar e satisfação e, por conseguinte, a vida começa a fluir positivamente, independentemente dos desafios e percalços a que todos estamos sujeitos.

Boa Leitura!