Como lidar com a desesperança do mundo?

Hoje em dia, falar de crise, violência e desesperança mundial já se tornou lugar-comum e até mesmo uma banalidade entre as pessoas. Mas as dificuldades amplificam-se precisamente quando se procura dar uma explicação crítica e coerente a essas questões sem recorrer à espiritualidade, que fundamenta a vida em suas múltiplas manifestações. É um procedimento legítimo, sobretudo quando queremos ressaltar que nenhuma situação, nenhum fenômeno encontra razão de ser fora dos domínios da espiritualidade, que ultrapassa as condicionantes históricas.

O paradigma utilitarista, que firmou raízes profundas na contemporaneidade, conduz a um entendimento mecanicista da vida, a um bloqueio da sensibilidade humana. Isso traz, por sua vez, consequências desastrosas para a sociedade, como o sentimento de desesperança. Grande parte dos indivíduos se vê tolhida em sua capacidade de esperar dias melhores, acreditando não ser possível a superação de determinados quadros negativos.

Alguns indivíduos interpretam a esperança de maneira muito limitada, pensando consistir em uma atitude de espera passiva de benefícios que viriam de uma esfera divina ou coisa que o valha. Dessa forma, a esperança restringir-se-ia à ideia de expectação. Tal posição encontra-se espelhada na vida de inúmeras pessoas que, ao ostentar uma posição esperançosa, acabam por fortalecer, contraditoriamente, as redes da desesperança.

No entanto, o enfoque espiritualista da esperança fundamenta-se no entendimento de que ela é abertura para o futuro, para o novo, baseado na convicção de que a realidade sempre se altera positivamente. Convicção, amor ao próximo e esperança sintetizam a unidade própria da vivência humana.

Numa contraposição de sentido, surge a ideia de desesperança, que emerge toda vez que o indivíduo se perde na observação superficial dos fatos, quando concentra toda sua energia na objetivação da ação concreta. Nesse estado, em que despreza as lições subjacentes nos conflitos, precipita-se, alienado, no terreno da desesperança.

Fixando-se o indivíduo esclarecido em suas potencialidades, sobretudo em sua capacidade de raciocinar, é levado a reconhecer que acima da desesperação a esperança sobrepaira. Com esse sentido real e elevado, procura integrá-la sempre e cada vez mais a sua vida, em todos os tempos e em todos os lugares. Se alguma vez, sob a influência de forças antagônicas, declina a atitude esperançosa, possui em seu âmago as condições de superação da crise e retoma sua caminhada, procurando constantemente o ideal de fraternidade, que reside inelutável na consciência humana.

É um sinal de esperança o fato de que hoje a maioria dos governos e culturas manifeste disponibilidade ao diálogo e ao entendimento em relação a assuntos que afetam diretamente a dignidade da pessoa humana. A criação de órgãos internacionais e dispositivos legais que se articulam em benefício da paz mundial atesta que estamos avançando no sentido de um maior entendimento e valorização da pluralidade, marca indelével da humanidade. Na verdade, todo movimento característico da vida humana se apoia também na esperança. Sem dúvida, trata-se de um impulso libertador que suscita a ação consciente, mediante a expectativa de novas possibilidades e novos níveis de compreensão.

Essa reflexão perpassa a estreita compreensão materialista quando assinala que o bem, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento humano são realidades inexoráveis.

Poderíamos enumerar ainda outros exemplos provenientes da simples observação da realidade. Nenhuma análise sensata do processo histórico pode negar, por exemplo, os avanços tecnológicos e sociológicos pelos quais a humanidade tem passado, sobretudo nos últimos dois ou três séculos.

Não seria difícil elaborar uma ampla lista de recomendações espiritualistas em relação a condutas que devem ser adotadas diante da problemática do desencanto, que afeta a humanidade em nível global. Todavia, não nos apraz fazê-lo. O estabelecimento de um roteiro único para a superação de problemas pode até ajudar num primeiro momento, mas não ajuda a compreendê-los em sua essência.

Ética espiritualista. O processo necessário para a descoberta das soluções para as mais intrincadas questões existenciais consiste necessariamente na elaboração do que poderíamos chamar de uma ética espiritualista, que permite ao ser humano identificar-se com sua essência, sua origem e sua vocação para a transcendência.

O conhecimento concreto dos comportamentos inadequados que desumanizam as relações em todos os níveis também são uma forma eficaz de aprendizado; por isso, não devem gerar desesperança. Absorvemos lições importantes a partir dos contrastes, fato que pode ser observado nas experiências mais comuns.

Quanto mais nos esforçarmos no sentido de vivenciar na experiência cotidiana os elevados valores espiritualistas que se encontram ínsitos em nossa consciência, menos dificuldades teremos em reagir positivamente frente aos desafios que se nos apresentam, sejam eles na esfera individual ou coletiva.

Se, como dissemos, a esperança, o amor ao próximo e a convicção sintetizam a unidade própria da vivência humana e se esta responde às exigências mais profundas e autênticas do desenvolvimento de cada indivíduo, então ninguém deverá negar a importância de valorizar a esperança precisamente no que ela tem de mais positivo e elevado. Essa esperança não deve traduzir-se em imobilidade, nem em ingenuidade; ao contrário, deve estimular e impulsionar a atitude corajosa frente aos obstáculos da vida, ativando e sustentando todo o empenho de solidariedade e bem-querer, que é, na realidade, o sentido primeiro de tudo que existe. Não se pode esquecer que o desenvolvimento integral do ser humano se condiciona a uma atitude de esperança frente aos obstáculos da vida. Ora, a esperança não se deve traduzir na anulação da realidade material com vistas a uma suposta dimensão mágica, onde não existam problemas ou desafios para serem superados.

Para concluir, não podemos afirmar que a desesperança que se espraia pelo planeta, quando corretamente interpretada, seja inadequada. Com efeito, ousamos afirmar que ela pode ser uma expressão sincera do anseio de justiça e de paz que nos aflige a todos.

O realismo, conquistado pela percepção espiritualista, encara os processos de desespero ou desesperança sob o enfoque da esperança maior que todos os fenômenos. Em última análise, concorrem para a promoção de um processo de aprendizagem, que tende a ser ilimitado pela própria natureza da vida.

Boa leitura.

 

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