É vocação natural do ser humano que busca espiritualizar-se procurar entender sua própria estrutura e o mundo a sua volta; sente, pois, a necessidade de compreender sua relação com os demais seres, visando alcançar a paz e o bem-estar. Nessa linha vem à tona, com admirável frequência, uma indagação que tem provocado reiteradas análises e estudos: como administrar a instabilidade dos próprios pensamentos e sentimentos, bem como as emoções danosas, sem perturbar os relacionamentos pessoais, sociais, profissionais ou de qualquer outra natureza?
A sociabilidade não se estabelece em moldes padronizados; reflete, antes, as múltiplas expressões do comportamento humano, em todas as épocas e em todas as culturas. Porém, essa realidade também se verifica nas mais próximas e íntimas formas de convívio, surgindo daí a necessidade de aprimoramento pessoal para o estabelecimento de relações mais sólidas e dignas, quer na esfera particular, quer no âmbito coletivo.
Assim, procurando nos apoiar numa concepção dilatadora, própria, aliás, da espiritualidade, buscamos resgatar significados e conteúdos importantes, a fim de que possamos responder de forma satisfatória ao questionamento do título desta reflexão.
Dentre os equívocos, desvios e falhas que muitos seres cometem ao longo de suas trajetórias, aqueles que trazem as repercussões mais graves no tocante ao convívio sadio e ao estabelecimento de relacionamentos respeitosos e duráveis são, sem dúvida, o ressentimento e a inveja.
Certamente, é de absoluta esterilidade pensar no desenvolvimento de uma personalidade positiva, coerente e livre de complexos sem o respectivo repúdio a emoções e sentimentos deletérios. Nesse contexto, as capacidades de introspecção, autoanálise e, sobretudo, reconhecimento da realidade espiritual – que tudo interpenetra e sustenta – sobressaem como mecanismos indispensáveis para a superação do egoísmo e da egolatria. Há que reconhecer, contudo, que não é apenas legítimo, mas também necessário fortalecer e orientar, sempre que houver abertura, as pessoas que se autossabotam por ostentar personalidades conflituosas.
Qualquer menção ao papel da paz interior no estabelecimento de relacionamentos sadios e fecundos que corroborem a edificação de uma sociedade mais pacífica e fraterna é incompleta quando não se evidencia o fato de que essa paz interior é uma conquista pessoal, fruto da dedicação, da vontade de acertar, do esmero, do compromisso e do respeito próprio e para com os demais de forma ampla e abrangente.
Sustentamos que a paz interior produz felicidade, e esta, por sua própria natureza, tende a expandir-se, a comunicar-se. ‘É impossível ser feliz sozinho’, diz o poeta com expressiva sabedoria. Esforcemo-nos, pois, sempre e cada vez mais, no sentido de vivenciar momentos de plenitude e felicidade, cientes, porém, de que para isso é necessário superar nossas contradições e dificuldades internas, afastando-nos com vigor e energia de qualquer impulso à inveja, à ambição, à sofreguidão e ao melindre.
Em virtude de uma série de fatores e circunstâncias, o convívio representa um poderosíssimo recurso para a concentração e a ressonância de movimentos que permitem, por seu turno, o desenvolvimento de nossas faculdades e atributos espirituais. Como é possível, por exemplo, desenvolver a tolerância sem conviver com as mais diferentes formas de pensamento e expressão que existem, inclusive, em nossas famílias? Como refinar o amor dirigido ao próximo sem penetrar na fragilidade humana, tão perceptível em todas as camadas do estrato social?
O isolamento, embora sutil e imperceptível em um primeiro momento, produz um vazio afetivo que se preenche, na esmagadora maioria das vezes, com pensamentos e sentimentos inadequados. É precisamente contra essa possibilidade que todos devemos nos unir. Com essa união, reafirmamos, uma vez mais, nosso apreço pelas relações humanas sustentadas pela ética.
Nada há de mais lícito e oportuno que buscar formas de contemporizar os conflitos internos e as emoções hostis, a fim de que não incidam negativamente nos relacionamentos. Nesse sentido, esperamos que, por meio da absorção dos conteúdos espiritualistas divulgados e defendidos pelo Racionalismo Cristão, não consintamos que entre os arroubos emocionais, as posições inflexíveis, os dissabores da vaidade e a mesquinhez de pensamento – todos característicos do gênero humano – se esqueça da enorme importância do convívio respeitoso e harmonioso. Estamos convictos de que essa importância se revelará tanto mais nítida quanto mais serena e racional for sua apreciação.
É importante destacar que apenas em uma vida constituída fundamentalmente na tolerância e no amor ao próximo podem as atitudes virtuosas ter plena expressão, permitindo à pessoa alcançar o equilíbrio das emoções diante das situações adversas e das manifestações de inveja e ressentimento. Vivemos em sociedade, onde regras e leis são importantes para a convivência harmônica; contudo, nenhuma espécie de norma é suficiente para balizar as ações humanas, porquanto a vivência virtuosa implica algo maior que a simples aquiescência a uma regra ou ao um conjunto delas.
Muito Obrigado!