Como o esclarecimento nos conecta com nós mesmos e com aqueles que nos cercam?

É imperiosa a necessidade de frisarmos que os conceitos de conhecimento e esclarecimento devem traduzir gestos que ensejam continuamente o enriquecimento e a ampliação dos limites da experiência humana. Por essa razão, deve-se afastar todo impulso a considerá-los como meros mecanismos de aquisição e acumulação de informações, como um conjunto de regras ou instruções que se impõe a princípio aos membros de uma sociedade.

O autêntico conhecimento não se deve situar apenas no campo da abstração ou da formalidade, mas revelar-se no dia a dia da vida, de maneira constante e eficaz, a fim de fornecer ao gênero humano, além de uma percepção da realidade, os instrumentos para sua própria realização e integração.

No mundo contemporâneo, sobretudo nas últimas décadas, tem se tornado cada vez mais nítida a percepção de que os avanços materiais, científicos e tecnológicos – de que tanto se orgulha o homem moderno – não ocasionaram aumento nos níveis de respeitabilidade, afetividade e compreensão entre os seres humanos. A partir dessa constatação, procuraremos demonstrar a necessidade de encontrar caminhos possíveis de ampliação de reflexões e entendimentos.

No sentido espiritual, “esclarecimento” indica, antes de mais nada, a consequência de uma atitude de aprimoramento, que proporciona aos seres humanos cultivar conscientemente os valores humanos. A pessoa esclarecida é aquela que tem sua consciência de tal maneira desenvolvida por meio de reflexões, constatações e experiências que, para ela, os desafios e contrariedades com que se depara no transcurso da vida não constituem barreiras intransponíveis, castigos ou inutilidades, mas oportunidades de aprimoramento e ampliação de horizontes.

A pessoa esclarecida não despreza a cultura nem o conhecimento, mas muito pelo contrário: tem por eles grande apreço. É precisamente por esse motivo que os unifica e os sintetiza com a argamassa da espiritualidade e da alegria, distinguindo-se por uma conduta jovial, ética e valorosa.

Verdade é que com retidão de caráter, amor ao próximo, sinceridade de propósitos e olhos voltados para o cumprimento dos deveres todos estarão trilhando o caminho que conduz ao esclarecimento.

É igualmente verdade que, ao longo desse caminho, vamos nos tornando cada vez mais conscientes de que podemos aprofundar nossa relação com nós mesmos e com aqueles que nos cercam à medida que, quando nos dispomos ao diálogo fraterno com nossos semelhantes, eliminamos de nossas estruturas psicológicas os pensamentos preconcebidos e autopunitivos, além do ilusório sentimento de separatividade.

É preciso salientar que a virtude da humildade é um pressuposto do esclarecimento. Sem ela, torna-se difícil o reconhecimento de que a forma inadequada com que muitas pessoas agiram no passado estabeleceu os quadros que hoje ensejam lamentação e, não raro, sofrimento. Justamente por isso, é indispensável que a pessoa que busca o esclarecimento assuma de forma constante e tenaz uma atitude de autocrítica. Deve compreender que a importante e difícil tarefa de esclarecer-se pode ser fracionada em pequenas etapas administráveis e permeadas pelo esforço cuidadoso e pelo firme propósito de acertar.

O primeiro passo é simples: em vez de lançar-se vigorosa e obstinadamente no trabalho de encarar os grandes problemas existenciais ou as questões individuais ou sociais de magna relevância, deve-se começar consigo mesma, reconhecendo imperfeições e esforçando-se em tornar-se a cada dia uma pessoa mais compreensiva, disciplinada e receptiva aos valores da espiritualidade.

Devido a sua natureza e transcendência, o conceito de esclarecimento, na profundidade em que foi desenvolvido na presente reflexão, não está estabelecido em padrões prefixados, nem se reduz a uma meta a ser alcançada de maneira definitiva. Com efeito, trata-se de todo um processo, indispensável para um viver produtivo e elevado, onde o ser humano passa a sentir-se seguro para estabilizar e exprimir seus pensamentos e sentimentos.

Nenhuma existência reflete uma realidade perfeita e acabada, mas requer um progressivo despertar para a necessidade e sobretudo a importância do esclarecimento espiritual, como este proporcionado pelo Racionalismo Cristão, sem o qual a liberdade e a autonomia humana jamais poderão ser alcançadas, de modo que o ser humano perde, inclusive, sua identidade e razão de ser.

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