A solidão como escolha: como reconhecer a hora de ignorar influências externas e ouvir mais a nossa própria voz?

Para o bom desenvolvimento das ideias que iremos desdobrar ao longo desta reflexão, torna-se necessário esclarecer que, ao enunciarmos a solidão como uma possibilidade de escolha, estamos nos utilizando do conceito em sentido relativo. Em termos estritos, a realidade é outra, posto que, espiritualmente, nunca estamos sós.

Longe iríamos nas análises se fôssemos rastrear a origem e os significados do vocábulo solidão. Optamos por introduzir-lhe um teor mais transcendente, ligando-o à ideia de interiorização, recolhimento, introspecção, reflexão.

Queremos enfatizar que os momentos de recolhimento são, em si mesmos e em determinados momentos, oportunos e psiquicamente recomendáveis. Por um lado, permitem sopesar e meditar com mais tranquilidade assuntos importantes; por outro lado, ensejam o encontro do da pessoa consiga mesma, levando-a a reavaliar condutas e posicionamentos.

A introspecção, quando criteriosa e equilibrada, conduz a pessoa para além da realidade imediata, revelando-lhe a realidade propriamente dita ou, em outras palavras, aquilo que verdadeiramente interessa.

É de se imaginar que, para os seres humanos que viveram séculos atrás, não tenha sido tão difícil, como o é hoje para nós, a tarefa de encontrar momentos de silêncio e tranquilidade. Os tempos eram outros, a vida transcorria menos ruidosa e dissipadora e não havia a atividade desgastante e frenética própria da atualidade, que acaba, no mais das vezes, por influenciar negativamente na organização dos pensamentos, dificultando o raciocínio límpido e depurado da excessiva carga emocional.

Blaise Pascal, no século 17, disse: “a única causa da infelicidade do homem é ele não saber mais ficar quieto em seu quarto. ”

Todavia, importa destacar que o recolhimento e, por conseguinte, a vivência interior não encontram resistência apenas na abundância de atividades. Pessoas há – e não são poucas – que, embora não se encontrem em regime de plena atividade, têm grande dificuldade em recolher-se em si mesmas e meditar sobre os rumos da própria existência.

Embora sejam autênticas e pertinentes todas essas ponderações, o espiritualista deve entender o silêncio de forma mais ampla, considerando-o não somente como a ausência de ruído, mas também como uma possibilidade de ouvir a própria voz. Ao manter esse significado e essa dimensão positiva da introspecção, tornamo-nos particularmente sensíveis tanto às inúmeras potencialidades que acumulamos dentro de nós, quanto aos sofrimentos e necessidades humanas.

O ser humano sem consciência de seu valor, de suas singularidades e faculdades, de seus talentos e vocações, enfim, de sua essência espiritual não decide com naturalidade, é facilmente manipulável, é empurrado e conduzido pelas circunstâncias da vida.

Nessa perspectiva reafirmamos o valor da introspecção. O recolhimento voluntário ensina-nos, sobretudo, a aceitar-nos como somos e a edificar, com base nos elementos que compõe nossa personalidade, uma vida produtiva e feliz. A esse propósito, há um enunciado sensato e pertinente que vem da Antiguidade Clássica e chega a nossos dias emoldurado de impressionante atualidade: “Conhece-te a ti mesmo”.

Se é tão importante se reservar momentos para retirar-se do burburinho da vida, não é menos importante a demarcação dos limites dessa iniciativa. Tal consciência é indispensável para não se cair no exagero do isolamento doentio e antissocial, em que o ser humano, absorto e ausente, procura constantemente esquivar-se das situações que lhe compete resolver.

Na realidade, a interioridade madura e benfazeja não requer uma fórmula, um manual ou uma prática específica. Não constitui um ato intelectual, mas de vontade. Vontade de conhecer-se para melhorar, de fortalecer-se para superar-se. Precisamente por isso dispensa uma sequência de atos estudados e gestos artificiais.

Se quisermos resolver nossos problemas, é fundamental que compreendamos que atitudes artificiais em nada nos auxiliarão. Recorrer a técnicas ou declarar mecanicamente frases otimistas mostrar-se-á tão inútil quanto transferir a causa dos próprios males a terceiros.

Nos dias que correm, ouve-se com frequência a respeito dos benefícios de determinadas práticas meditativas e reflexivas. Têm surgido diversos grupos, cursos e iniciativas nesse sentido. Porém, um exame sincero da situação revelar-nos-á que, algumas vezes, isso resulta da tentativa de preencher a lacuna existencial que abala a sociedade atual até seus fundamentos. De fato, um número cada vez maior de pessoas orgulha-se de possuir e portar aparelhos eletrônicos sofisticados ou ostentar uma longa lista de amigos nas redes sociais; contudo, não conseguem muitas vezes olhar para dentro de si mesmas. Desse modo, evitam uma forma particular de silêncio: o silêncio de uma vida vazia de sentido.

Equívoco é pensar que a vivência espiritual elevada e digna seja inconciliável com as atividades e o movimento irrequieto do dia a dia. Analogamente, não é prudente considerar a possibilidade de existência de duas vidas paralelas. Partindo dessa falsa percepção da realidade é que muitas pessoas procuram estabelecer uma demarcação entre a vida espiritual e a vida material.

A disposição em silenciar deve consistir na tomada de consciência das próprias dimensões – física, emocional, sentimental e intelectual – e ultrapassá-las na direção da essência espiritual, fonte e manancial de vigor, como nos esclarece o Racionalismo Cristão. Significa vencer as tensões, as ansiedades, as turbulências, os pensamentos sabotadores, os ruídos, as agitações e os conflitos para melhor encarar os problemas cotidianos que representam ricas oportunidades de aprimoramento e desenvolvimento.

Muito Obrigado!