Um dos mais recentes debates nas redes sociais e nas ruas do mundo todo foram os protestos contra a manutenção de homenagens a personalidades do passado que foram escravagistas, racistas e que praticaram outros crimes mais.
Primeiro, tivemos que assistir, de novo, ao assassinato de um negro por um policial branco nos Estados Unidos. Depois, os atos antirracistas, com a participação de muitos jovens, ganharam a Europa, onde manifestantes arrancaram e jogaram no rio uma estátua do comerciante de escravos Edward Colston, em Bristol, no interior da Inglaterra. Para o grupo, pessoas como essa não merecem homenagens nem estátuas que lembrem a sua existência.
Autoridades de vários países se anteciparam e retiraram estátuas das ruas. Uma matéria da Folha de São Paulo relatou que, na Bélgica, o busto do monarca Leopoldo II, que colonizou o Congo (atual República Democrática do Congo), foi para o depósito na Universidade de Mons. “Vamos guardá-lo para sempre, para que nenhum estudante, professor ou visitante se sinta ofendido por sua presença”, afirmou o dirigente da universidade. Isso emociona e pode ser visto, sim, como uma reivindicação justa.
Há, porém, os que defendem que essa retirada não seja feita, muito menos de maneira violenta. Foi o caso do jornalista Laurentino Gomes, autor dos livros 1802, 1822, 1889 e Escravidão. “Vejo nas redes sociais um movimento pela derrubada da estátua do bandeirante Borba Gato situada no bairro de Santo Amaro, em São Paulo. Sou contra. Estátuas, prédios, palácios e outros monumentos são parte do patrimônio histórico. Devem ser preservados como objeto de estudo e reflexão”. Muito importante ficarmos com essas duas palavras mais do que mágicas: estudo e reflexão.
Podemos citar ainda a estátua do conde português Joaquim Pereira Marinho, que traficou gente e a manteve escravizada na Salvador do século XIX. De acordo com o pesquisador baiano Nelson Cadena, Marinho chegou a possuir 13 embarcações a serviço do tráfico e de negócios de exportação. A homenagem fica na entrada do Hospital Santa Izabel, no bairro de Nazaré.
Quando vivo, informa uma matéria do jornal baiano Correio, o conde doou parte de seu dinheiro para a Santa Casa de Misericórdia da Bahia, incluindo uma ajuda no empréstimo que possibilitou a retomada das obras de construção do hospital. Por conta disso, em 1893, foi colocada uma estátua em sua homenagem na entrada principal da unidade.
Em nota ao jornal, o Santa Izabel afirmou que “a Santa Casa de Misericórdia da Bahia, como instituição secular, de 1549, esteve inserida nos mais diversos contextos da sociedade baiana ao longo do tempo. Os fatos que marcaram a biografia do Conde Pereira Marinho são de conhecimento da instituição e apresentados a todos que buscam conhecer a história dos que fizeram parte da Santa Casa como eles são: pontos da historicidade de uma época”.
O hospital informou ainda que a estátua tem caráter de patrimônio histórico e obra artística e compõe o conjunto arquitetônico do Hospital Santa Izabel, reconhecido e tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (Ipac).
Percebe-se aí que não se trata apenas de amarrar uma corda no pescoço da estátua e derrubá-la. Até porque, como lembraram na internet, estátua não é gente.
O que devemos fazer, então? Devemos nos inspirar em gente que valha a pena, deixando o resto pra lá. Veja: é para deixar as estátuas de lado, e não a luta antirracista. Esta deve ser feita no dia a dia, nas pequenas coisas, a pretexto de nada.
E quem nos inspira ou deveria inspirar? Estudiosos, pesquisadores, cientistas, lutadores, ativistas, artistas, médicos, psicólogos, escritores, jornalistas, desbravadores não escravocratas e não exploradores, advogados e uma série de outros profissionais, gente corajosa… Nossos pais… Uma gama de gente que dá exemplo.
O racionalista cristão Luiz de Souza diz, maravilhosamente: “É fazendo uso da palavra, da pena e dos exemplos que se luta pela moralidade dos hábitos e costumes com significativa vigilância, em que têm assento os bons conselhos, a boa conduta e onde devem imperar princípios espiritualistas, cujos reflexos edificantes atingem indiretamente os lares”. Os jovens têm muito a contribuir.