Decidir o futuro político do país sai caro para o povo

Vêm aí as eleições, fazendo acordar a esperança que hibernava. Agora desperta, sacode nossos bons sentimentos e aponta o melhor caminho. Aí está ela a nos fazer acreditar que serão eleitos os melhores. Dizíamos nesse espaço, há muitas edições, que havia luz no fim do túnel. Estamos no momento em que essa luz precisa alcançar seu mais intenso brilho. Chega em boa hora o pleito, porém antipatizado pela data. Deixou-se de votar em 3 de outubro, que lembrava o prenúncio de golpe de 1930, que levou Getúlio Vargas à Presidência da República. Dia de eleição era feriado. Agora o eleitor perde também um domingo, seu dia de folga da batalha diária pela sobrevivênia.

Dois anos depois da última votação, os brasileiros estão mobilizados, quer pelo real interesse de colaborar na escolha de alguém para um cargo ou outro, quer pela influência da publicidade, que avança avassaladora sobre indecisos e despreocupados em busca do voto consciente ou não. Os indecisos querem saber se o candidato de sua preferência merece realmente o voto – cumprirá as promessas? respeitará o dinheiro público como se fosse dele próprio? Os despreocupados não estão nem aí, convictos de que ocorrerá apenas a mudança das moscas, porque o país continuará o mesmo, como o veem.

Por que os despreocupados pensam desse modo? Porque ouvem dizer que a Constituição assegura que todos são iguais perante a lei. Todos, exceto o presidente da República, os ministros de estado, os senadores, os deputados (federais, estaduais e distritais), os governadores de estado e titulares das secretarias, os prefeitos, os vereadores (são 5.568 municípios), os magistrados, os militares (das três Armas com qualquer patente e os integrantes das Forças Auxiliares) e até os presidiários, que têm direito a auxílio reclusão, uma espécie de salário que o INSS libera para sustento da família de assaltantes, traficantes, estupradores, malfeitores de toda ordem, embora não seja tão generoso com as famílias das vítimas desses algozes. Faltou algum igual daqueles que a Constituição nomeia? Faltou algum igual entre as exceções?

 Nem indecisos, nem despreocupados, porém, se dão conta do custo das eleições. Não se trata de despesas com transporte e manutenção das urnas eletrônicas ou aqueles sanduíches mixurucas distribuídos aos mesários das seções lá pelas 16 horas, os quais valem por uma refeição. A coisa é muito mais séria, ascende à casa dos bilhões de reais. Essa dinheirama nao é gasta no dia nem em torno do pleito. Ela vem sendo distribuída e consumida pelos partidos e pelos políticos, dia a dia, daí a vantagem de se criarem e registrarem siglas partidárias. Há algumas exigências e regras para isto, mas sempre é possível atendê-las, e chegamos ao absurdo de termos 32 partidos políticos, na verdade seus dirigentes e integrantes, mamando nas tetas do Erário. Essa farra cívica é coberta com dinheiro do povo.

São duas as fontes legais de recursos públicos que favorecem políticos e seus clubinhos, para mantê-los. Na verdade são verdadeiros bueiros por onde escoa grande parte dos impostos arrecadados: o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, Fundo Partidário, que é distribuído mensalmente e destinado à manutenção dos partidos políticos com o custeio de despesas cotidianas das legendas, como contas de luz, água, aluguel, salários de funcionários, compra de passagens aéreas, contratação de advogados e contadores… e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), Fundo Eleitoral, voltado exclusivamente ao financiamento de campanhas eleitorais e distribuído em ano da eleição.

 Os repasses para o Fundo Eleitoral este ano estão orçados em R$ 4,9 bilhões na Lei Orçamentária Anual. Os recursos desse Fundo que não forem utilizados nas campanhas deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional (serão?) na apresentação da respectiva prestação de contas pelos partidos políticos.

O voto, curiosamente, é obrigatório, ainda que o cidadão, pela Constituição Federal, não seja obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Uma lei, porém, o obrigou. Bastou criar a lei e tornar obrigatório o que não o era. Assim nasceu essa esdrúxula obrigatoriedade. E muita lei se cria sem debate ou votação, apenas com a manifestação das lideranças partidárias nas Casas do Congresso. Se é isso, para que sustentar tantos parlamentares e seus dispendiosos gabinetes, com secretários, assessores, garções…? Esses recursos poderiam ser aplicados, com muito melhor proveito, na educação e na saúde, por exemplo. Em vez de 513 deputados, bastariam os líderes dos partidos políticos e entre esses poderiam ser eleitas as mesas diretoras da Câmara e do Senado. Os demais diplomados pela Justiça Eleitoral seriam mantidos stand by, sem ônus para o Estado (leia-se para o povo, porque Estado não tem dinheiro), e cumprindo suas atividades normais, mantendo seus empregos ou dirigindo suas empresas. Seriam convocados para análise e votação de projetos importantes, se houver algum, aí sim, com uma remuneração simbólica. Estaria assim preservada a democracia, a representatividade do povo.

De que adianta dar vez e voz a tanta gente preocupada em distribuir títulos honoríficos ou em trocar ofensas exibindo-se para as galerias? Tantos candidatos prometem exercer seus mandatos em defesa do povo. Mentirosos! Vencedores e empossados, quererão que o povo se lasque. É como diria um caipira qualquer, num recanto de um município qualquer, de um Brasil qualquer: ‘farinha pouca, meu pirão primeiro’.

Chegamos a uma das questões mais cruciais das eleições: a participação de jovens a partir dos 16 anos. É bom lembrar uma questão já cansativamente denunciada, discutida e com parecer popular definitivo. Os estudos sobre esses adolescentes apontam severa incoerência. Podem ajudar a decidir o futuro do país conforme suas escolhas para presidente da República e outros cargos, mas não podem dirigir automóveis (dirigem), não podem beber bebidas alcoólicas (bebem), não podem frequentar ambientes impróprios (frequentam). Pior que tudo: não podem trabalhar. Bem, aí eles cumprem a lei e cedem à mensagem do poeta, “pernas pro ar que ninguém é de ferro”.

Nossos jovens são politizados, sabem muito bem como a banda toca e certamente darão seu voto com consciência e poderão fazer a balança pender para um maluco qualquer, ou ainda alçar ao segundo turno um dos demais postulantes. Importante é saber por que tanta pressão para que se inscrevam como eleitores se eles não são obrigados a votar. A quem interessam esses prováveis votos? aos que passaram, aos que estão ou aos que pretendem vir? Qual o mecanismo de manipulação da opinião desses adolescentes?

Vamos à questão do voto. Quem vota em quem. Então, em 2 de outubro, mais e menos jovens e alguns idosos que não abrem mão de participar da festa da democracia, nem que seja apenas para rever amigos na fila da seção eleitoral, vão praticar o supremo exercício da cidadania. Estão na pista candidatos a presidente da República, governador, senador e deputado federal, estadual e distrital. Cada partido poderia ter seu candidato a presidente e a governador, mas alguns preferem apoiar outros com maiores chances, à espera do farelo do bolo depois que o vencedor do pleito o dividir com amigos e correligionários. Verdadeiramente apenas dois atores disputam a vaga e com ela o poder, suas benesses e franquias. Os demais são figurantes, parece não haver chance para um azarão. Ainda assim à última hora um terceiro nome poderá sacudir a preferência popular e melar o que estava aparentemente definido.

E os eleitores? o povo, como fica? Bem, desta parte o eleito cuidará a seu tempo. Talvez esse tempo fique para depois de 2026, porque os eleitos em 2024 terão a seu cargo solucionar questões locais, sem relevância nacional.