São muitas as publicações analisando a relação entre esporte – aí incluído o futebol, claro – e saúde física e mental. O tema tem merecido muitos estudos de professores de Educação Física e pedagogos, a partir da observação dos resultados da prática esportiva por crianças e adolescentes nas escolas. Alguns desses estudos foram aprofundados e levados a comparações com o comportamento da sociedade, conforme países em que se desenvolveram, frente a suas modalidades esportivas preferidas.
Ao passar do tempo, o futebol vem sendo politizado, quer na Alemanha nazista, quer no Brasil, onde foi usado até por um general alçado à condição de presidente da República para tornar simpático o golpe militar de 1964.
No Brasil, nem seria necessário citar, a preferência é o futebol. A atração do brasileiro pelo futebol se estabelece e desenvolve desde os primeiros anos. Tudo funciona tão bem que é difícil imaginar que justamente essa modalidade esportiva se transformaria em problema. Motivo de tantas alegrias, antes, durante e depois das suas realizações, a Copa América tornou-se, de uma hora para outra, a figura mitológica que a Grécia Antiga nos legou: o pomo da discórdia. Não pelos seus confrontos, tão saudáveis, embora de disputas acirradas, como devem ser em todos os esportes, e de rivalidades ferrenhas que se intensificavam em campo, mas que se dissipavam ao apito final do árbitro.
De realização protelada desde maio de 2020, primeiro por causa da instabilidade social na Colômbia, depois em consequência do agravamento da pandemia de covid na Argentina, a Copa América vazou para o Brasil. Sem o vírus que afeta a humanidade, esta seria a grande chance de fortalecer o turismo e auferir suas vantagens e lucros, mas com o mal que se espalha e vem fazendo tantas vítimas fatais já não dá para saber se o legado de Colômbia e Argentina é bom ou ruim.
Veio a pandemia e no seu curso a Copa América, campeonato disputado pelas dez seleções nacionais filiadas à Conmebol. De ponta a ponta do país formaram-se grupos de prós e contras em discussões que não indicavam tendência ou prazo para terminarem, e os bate-bocas saltaram dos lares e mesas de bar, invadiram clubes, concentrações de jogadores e o Senado Federal, e foram parar no Supremo Tribunal Federal.
Senadores debateram a realização da Copa América no Brasil e a possibilidade de convocação do presidente da CBF e do ministro da Saúde para explicarem as condições de o Brasil receber o evento. O relator da CPI da Covid lamentou a ideia de promover o campeonato no Brasil na iminência da chegada da terceira onda da doença e apelou aos jogadores e técnicos das seleções brasileiras de futebol, para que se mobilizassem contra a realização do evento.
O relator destacou que o Brasil está nos últimos lugares no campeonato da vacinação, mas entre os primeiros no “campeonato da morte”, e pediu que o jogador Neymar Júnior marcasse gols em favor da vacina e não aceitasse realização da Copa América no Brasil.
Outros senadores, deputados, vereadores, governadores e prefeitos manifestaram-se com opiniões diversas. Um senador alertou: “Virão delegações de atletas, torcedores, dirigentes, jornalistas que vem cobrir o campeonato, e isso significa que nós teremos que garantir, além de segurança, leitos hospitalares, atendimento à saúde, coisa que está faltando para a população brasileira nesse momento”.
Outro avaliou que a decisão de trazer o evento para o país neste momento é equivocada, uma irresponsabilidade sanitária sem precedentes. Houve, porém, quem defendesse a realização da Copa no Brasil sob a alegação de que já acontecem aqui campeonatos nacionais, estaduais e a Sul-americana, e destacou que o futebol ajuda o “psicológico” dos brasileiros. Jogadores emitiram nota afirmando-se contrários ao evento no Brasil, mas assumindo a condição profissional.
Até que veio a palavra final do STF: “realize-se”. E a Copa América está aí. Com debate ou sem debate, com ou sem avaliações e reavaliações, não devemos esquecer que sua realização ignora os mais de 500 mil brasileiros que perderam a contenda para a covid, e os mais de 17 milhões de infectados que estão ou estiveram à beira da morte e poderiam lotar as arquibancadas lançando gritos de gol, mas que já não têm ânimo, nem força para essa entusiasmada manifestação. Teme-se que a festa da bola com os pés multiplique esses números.