E os homens voltam a se revoltar…
Por que se revoltam os homens, se a natureza é tão calma, se a vida, no conjunto, nos dá exemplo de tanta serenidade?
As consciências explodem, mais uma vez. A humanidade volta a se detestar! E há uma sede de sangue, pelo mundo, envolta naquela angústia das lágrimas desesperadas de todos aqueles que sofrem!
Os céus claros voltam a cobrir-se da escuridão do ódio e os campos, outrora verdes, começam a tingir-se do vermelho do crime!
Traidores, vingativos, infelizes, os homens desprezam todos os conselhos de paz, pelo terror das armas modernas, cujas terríveis consequências, muitos deles nem conhecem. Tudo lhes serve de motivo: um limite de terra, um pequeno trecho de canal, egoísmos antigos, vinganças inacabadas, tudo serve, como um pequenino pretexto para iniciar uma tão grande catástrofe. E as inteligências? Crescem, num instinto só: derrotar. Derrotar a quem e por que? Sua própria vida, sem uma só finalidade grandiosa. Porque a finalidade principal das guerras é atrasar as civilizações, conservando, na retaguarda, o avanço mental da espécie.
Haverá alguém, excetuando-se aqueles que negociam guerras, que acredite no progresso do mundo, através do sangue e da revolta? Haverá alguém, excetuando-se aqueles que comercializam as suas próprias consciências, que veja um pequenino ponto de progresso, nas guerras?
Só uma coisa nos fica claramente estampada no sentimento, após esse terror avassalante que arrasta a humanidade ao caos – é o conhecimento da alma de certos povos, que de modo insensível, impenetrável, é capaz de todos os crimes, para que se perpetue o seu poder e para que não se acabe a miséria dos infelizes.
Resta-nos, sempre, uma interrogação dolorosa: quando teremos paz, homens dominantes e cruéis? Quando nos virá essa paz definitiva e repousante pela qual suspiram as mães, as esposas, as mulheres, que são obrigadas a fornecer os elementos do seu amor, para que os negociantes do mundo os transformem em simples retalhos de bombas e metralhadoras?! Quando, senhores prepotentes, poderemos substituir as bandeiras de sangue, pelas asas brancas da paz?
Sabemos, sim, que será, quando cessarem, dentro do egoísmo latente dos senhores do mundo, as vozes da mentira, dos ódios mesquinhos, das ambições vis. Sabemos compreender que, quando os homens verdadeiramente superiores puderem governar, teremos, em vez de metralhadoras, espíritos; em vez de conselhos de guerra, assembleias de paz, respeitadas e admiradas. Seremos pacíficos, sim, quando houver respeito mútuo pela felicidade humana; quando as criaturas puderem irmanar suas dores e suas lágrimas, suas vitórias e suas alegrias, numa verdadeira política de almas.
Não se revoltariam os homens, se a força do amor pudesse arrasar, no nascedouro, a força do dinheiro. Não teríamos, às portas, novamente, a guerra, se o brutal materialismo dos homens pudesse acabar e obrigá-los a ver a grandeza das almas, em vez de se limitar a apalpar, tão sofregamente, o ouro, que lhes cobre o corpo de luxo, mas as consciências de lodo!
Dica Paulo Guimaraes
Publicado em 8 de dezembro de 1956.