Ideologia, uma ciência no ocaso

São ainda a filosofia e os filósofos, por extensão, os guardiães do nosso templo de reflexão. Do grego idea (ideia) e lógos (discurso) velam a ideologia como ciência das ideias, um conjunto próprio de um grupo, de uma época, que traduz uma situação histórica. Exprime-se, geralmente, através de uma doutrina social ou política, inspiradora dos atos de um governo, um partido, uma classe social etc.

Nos séculos XVII e XVIII, os discursos ideológicos referem-se à riqueza e à pobreza, à moeda, produção, comércio. Nos séculos que se seguem, à economia política, geopolítica, tecnologia, informação. E, em vias de encerrar-se a segunda década deste século XXI, o momento histórico favorece, exageradamente, o discurso tecnológico da informação. Descontinuado, rompe o instante e dispersa o sujeito em uma pluralidade de posições e funções. Contestam-se, mais e mais, o instante e o discursante.

Filosofo e sociólogo, Slavoj Zizek reconstrói o conceito de ideologia na moderna ciência social e ressalta suas faces múltiplas. Julga a ideologia um conceito fora de moda. Importa mais discutir a realidade em si mesma, tal como é. “Você pode ver por si mesmo como são as coisas”, prega ele em Um mapa da ideologia (Contraponto, 1996), coletânea de ensaios analíticos e críticos, clássicos e contemporâneos.

Falso-verdadeiro. Nessa pregação, divergência, contestação, complementaridade não iria faltar o eterno confronto falso-verdadeiro, que anima os gregos desde o século VI. A verdade, diziam então, está na palavra de quem de direito, anunciando algo a acontecer e do qual irá participar ou colaborar. Assim suscitavam adesão. Já um século depois, a palavra verdade deslocou-se para “o que se diz”.  Se vai acontecer ou não, são outros quinhentos. E pouco importa se irei participar ou colaborar. É, portanto, muito fácil mentir sob o disfarce da verdade.

Inverdades. Com base em tais argumentos, às vezes sofismáveis, eleições à vista no Brasil, a leitura dos presidenciáveis, neste instante histórico de informação acoplada à tecnologia, com pano de fundo de corrupção e descontrole, conduz a um espectro de ideias sujeito a mudanças. A atualidade brasileira do conceito ideológico expõe, entre outros fatores, uma concentração de fatos escolhidos, doutrinações populistas ou militaristas, falsidades – ou inverdades. E, individualizada pela mensagem lacônica, repetitiva, fragmentada, essa atualidade não mais pertence a um partido ou classe política. Basta ver a diversidade e troca-troca de legendas, apoios, alianças, filiações. Político por profissão, em campanha permanente nas redes sociais, garantia do pão nosso de cada dia. (Geralmente muito mais que um só pão).

Como bem diz Slavoj Zizek, em sentido geral, a noção imanente de ideologia doutrina, destinada a nos convencer de suas verdades, cede a interesses particulares de poder. É cética sua visão sobre o velho e o novo ideológico: “A ideologia pode designar qualquer coisa, desde uma atitude contemplativa, que desconhece sua dependência em relação à realidade social, até um conjunto de crenças voltadas para a ação; desde o meio essencial em que os indivíduos vivenciam suas relações com uma estrutura social até as ideias falsas que legitimam um poder político dominante. Ela parece surgir exatamente quando tentamos evitá-la, e deixa de aparecer onde, claramente, se esperaria que existisse”.