Livre-arbítrio, vontade e consciência

Três termos para abordarmos uma única necessidade do espírito: a evolução. Muito se fala do livre-arbítrio como faculdade dos espíritos em processo evolutivo na Terra, mas questionamos: ter liberdade de escolha e liberdade de ação significa que podemos fazer o que quisermos? Se nos valermos de um raciocínio superficial e juntarmos aos anteriores mais um termo, a vontade, diríamos que sim, podemos fazer o que quisermos; afinal, somos livres para agir de acordo com nossa vontade. Não é isso que nos diz o livre-arbítrio, que somos livres para agir como bem entendermos?

Arbitrar tem, entre outros significados, o “fazer de intermediário” (www.lexico.pt/arbitrar/). Intermediar, por sua vez, faz referência a algo que faz mediação, que está intercalado, que é utilizado como mediador; significa intervir, existir em meio a; localizar-se entre; colocar de permeio. A partir do que se entende por intermediar emerge em nossa consciência a existência de pelo menos duas possibilidades de escolha ou de arbítrio: escolho fazer A ou escolho fazer B.

A rigor, porém, em termos amplos e sob análise em perspectiva do Todo Universal, não existem várias possibilidades de escolha. Só existe uma. Somente uma? Sim, somente uma! Se não existem várias possibilidades de escolha, o que justifica a necessidade de o espírito humano ter livre-arbítrio? Se existe somente uma possibilidade, o que há a escolher? Onde está a liberdade de escolha?

Quando consideramos a existência de um plano, um “projeto” não apenas individual, mas universal, portanto válido para todos e, sim, obrigatório por determinação das leis naturais e imutáveis que regem o Universo, podemos dizer que somos livres somente em parte, pois somos apenas uma parcela desse projeto. O “apenas” aqui não tem a intenção de diminuir o valor ou indicar menor importância da parte individual, mas sim destacar uma parcela entre várias outras existentes: somos “apenas” parte do Todo, do projeto universal. Notemos que o termo obrigatório relacionado ao projeto exclui, por óbvio, a possibilidade de escolher não o cumprir.

Já por aqui podemos ver que, como elementos de um Todo regido por leis universais, vivemos somente parcialmente livres, dado que necessariamente existe um plano ou projeto obrigatório, compulsório, que não nos abre possibilidade de escolha e, dessa forma, é exigido como dever que não se pode dispensar ou deixar de realizar. Esse “projeto” independente da nossa vontade e é anterior a nós mesmos como seres conscientes: é a evolução.

Unificação. Vale registrar que livre-arbítrio, vontade e consciência só existem e se unificam no único ponto de convergência do processo evolutivo da parcela da Inteligência Universal, o ponto em que passa a ser espírito e assume a condição de ser humano apto a ser livre para agir. Ressalte-se, todavia, que agir não é sinônimo de escolher. Só o homem tem liberdade para agir. Estamos dizendo então que, por exclusão, os animais não têm consciência nem vontade nem livre-arbítrio? Sim, estamos! Não têm livre arbítrio porque este depende de processos do pensamento que envolvem a inteligência e o raciocínio para se manifestar entre uma opção e outra. Não têm vontade porque esta depende de processos mentais que envolvem o querer fazer, a intenção e o propósito do que se busca alcançar. Não têm consciência porque não sabem de si mesmos. O leão não sabe que é leão. A girafa não sabe que é girafa. A cobra não sabe que é cobra. Não sabem de si mesmos, não têm consciência de si mesmos. Os animais não escolhem fazer isso ou aquilo, apenas agem de acordo com sua própria natureza, de acordo com o que têm como instinto.

Motor das ações. O instinto é como o motor de suas ações que os faz executar ações fundamentalmente voltadas à sobrevivência de si mesmos, da sua espécie e da prole. Todo instinto é, por definição, um impulso natural que existe com finalidade específica independente da razão, da consciência, do livre-arbítrio ou da vontade.

Notemos que, por curioso, seres humanos também agem por instinto em situações específicas que envolvem a sobrevivência. Destacamos aqui especialmente o instinto materno. Uma mãe que se vê na situação de ter seu filho ou filha em risco de vida, podendo intervir, “não pensa duas vezes”. Age instintivamente para proteger o filho, sem avaliar qualquer possibilidade de se colocar, ela mesma, em situação de perder a própria vida. Mas como regra geral o ser humano age pela razão (ressalte-se que razão se opõe a instinto). Disso se extrai, somente a título de comentário, que o suicídio é ato contrário à vontade de viver e à razão – pertencentes ao espírito – e, simultaneamente, ao instinto de sobrevivência – próprio dos animais. Daí a complexidade da condição humana.

A consciência, muitas vezes confundida com o interesse pessoal ou com a conveniência passageira, está submetida à Consciência (com C maiúsculo) vinculada ao Projeto imposto às parcelas da Inteligência Universal, mas devido à necessidade de sobreviver e muitas vezes movido pelo egoísmo e vaidade, o ser humano busca ter mais do que realmente necessita para viver, acumulando ilegitimamente valores e riquezas materiais. Entretanto, à medida que o espírito vai desenvolvendo seus atributos e vai refinando cada vez mais a consciência de si mesmo, passa a perceber-se e reconhecer-se como parte de um Projeto Universal e os outros seres humanos como extensões de si mesmo. A partir desse ponto, agir movido pelo egoísmo com a “consciência” de que é necessário e legítimo buscar somente seu interesse pessoal, mesmo que em detrimento do interesse comum, perde força com a percepção de que o bem de todos é, em última análise, o bem de si mesmo. Aí sim a consciência passa a estar, verdadeiramente, submetida à Consciência Universal.

Em suma, em relação ao modo de agir é facultado ao espírito humano consciente de si mesmo – diferentemente dos animais –, o livre arbítrio para, por vontade própria, aderir ao “Projeto de Evolução do Todo Universal”, que é anterior a si mesmo e compulsoriamente determinado a ser cumprido. Parece paradoxo, mas não é: o ser humano tem a liberdade de ser o mediador, o interventor entre fazer ou não fazer a escolha da única opção possível: evoluir. O livre-arbítrio faculta, assim, ao espírito ser o coautor do Projeto Evolutivo Universal.

Correção de rota. Neste ponto, dada a inexistência de possibilidades de, em última análise, o ser humano não aderir ao projeto da evolução, surgem circunstâncias – desta vez sim, por escolha e planejamento do próprio espírito em seu plano de estágio após rigorosa análise de suas necessidades evolutivas – que o farão submeter-se a situações que representarão o movimento de correção de rota, que implica necessariamente na submissão a situações que gerarão sofrimentos advindos da necessidade de resgatar falhas e, sob o prisma da trajetória evolutiva, voltar à rota original pré-estabelecida, à longa estrada que leva ao aperfeiçoamento através de aprendizados no caminho da evolução. Nesta necessária correção de rota, o espírito vai estar, obrigatoriamente, sob imposições que gerarão sofrimento e dor advindos da necessidade de desenergizar impulsos e sentimentos como o egoísmo, a ganância, o orgulho, a avidez por prazeres terrenos, a vaidade etc.

Resignação. Porém ao ser humano, pela limitada capacidade de observar o desenvolver da evolução do seu espírito nos seus pormenores anteriores à atual existência, estando sob adversidades das quais não consegue livrar-se, deverá restar a compreensão, a paciência, a resignação, a aceitação das circunstâncias que não pode modificar para voltar à rota original da evolução. Importante ressaltar que resignação não significa prostração e tampouco cabe nesse processo se revoltar e praticar atos contrários ao que está inscrito na consciência como o que é certo e do que é errado fazer.

Daí se depreende, finalmente, que ninguém vem a este mundo para sofrer, mas forçoso é reconhecer que o sofrimento tem o valor pedagógico de correção de rota imprescindível ao crescimento do espírito em sua longa jornada evolutiva, dado que a evolução é obrigatória. Quando alcançar o ponto em que não mais precisará voltar a este planeta, o espírito terá, aí sim, a ampliação da Consciência do que representaram em sua trajetória terrena todas as circunstâncias por que passou como ser humano que lhe causaram sofrimento e dor, mas que consequentemente lhe proporcionaram crescimento e evolução espiritual.