Mudando com o clima

 

Do cientista político Daniel P. Aldrich, a máxima: o caminho certo para a mudança climática é criar resiliência. Palavras certas para o momento certo. E, se a resposta for certa, Emmanuel Macron e a França ganham o momento. Mundo afora, a mudança climática – aquecimento dos mares, temperaturas subindo, secas prolongadas e suas consequências, erosões, migrações, invasões, desastres naturais – vem provocando ajustes, adaptações, criação de novas estruturas físicas para chegar à celebrada resiliência. Anos atrás, ameaças e dificuldades eram visões. Não mais. Os efeitos já afligem o dia-a-dia. Inclusive a fúria dos habitantes do planeta Terra, traduzida em conflitos, manifestações, protestos de rua, quase sempre aflorando violência e com um suporte imponderável: as mídias sociais.

Parece a moldura perfeita para os ‘gilets jaunes’, ou jalecos amarelos, e seu movimento contestador na França, alguns pretendendo uma revolução nacional. Estendendo a máxima de Aldrich, a mudança climática tornou-se um “problema vicioso”, quase impossível de resolver e a exigir mescla com outras áreas – planejamento, política, negócios, populações, países, tecnologia. Que as sociedades se façam mais resilientes a efeitos inevitáveis. Nada sairá barato. Mas a inação tende a custar mais caro. Há que mexer com a energia: novas formas, abastecimento, distribuição, acordos, transporte público, meios de lidar com desastres naturais, migrações de origem climática. E, mais importante segundo Aldrich, transformar os paradigmas da vida cotidiana. A Natureza já mudou muito, e continua a mudar; agora chegou a nossa vez.

As sociedades, cada vez mais inventivas conforme as próprias exigências, têm opções. Os europeus já estão respondendo à “interação” meio ambiente e mobilidade social. “Conflitos políticos podem chamejar quando novos grupos de renda média, em crescendo, assomarem na arena política, e com isso ameaçarem as posições de primazia das classes médias estabelecidas”, constata outro teórico, Frank-Borge Wietzke (Current History, janeiro 2019).

Quem são os ‘gilets jaunes’? O que põem em causa? O que trazem à tona?  “O movimento não pertence a ninguém, nem ao mundo. É a expressão de um povo que, há 40 anos, se vê despojado de tudo quanto lhe permitia crer em seu futuro e sua grandeza”. Palavras de texto lido por três ‘jalecos amarelos’, em frente à Ópera de Paris. Há quem os critique por ignorar a ordem econômica internacional, em sua lista de 42 demandas, dela excluídas as palavras “Europa” e “europeu”. Ora, a política francesa é uma política europeia…

Outro deslize seria a falta de líderes. Apenas atribuem-se porta-vozes, via Facebook – Maxime Nicolle e Eric Drouet. Ambos adeptos da teoria de revolta nacional. Mas os protestos originam-se no regional e local, onde a raiva é incitada pela alta nas taxas de combustível. Nas zonas transurbanas e rurais vive-se de rendas modestas, em áreas sem mesmo transporte público, só o carro. Assim, sem fundo político, nem a Frente Nacional (extrema direita, Marina Le Pen), nem La France Insoumie (extrema esquerda, Jean-Luc Méchelon) conseguiram cativar os ‘jalecos amarelos’. Até então, aflora como “um movimento culturalmente alheio à maioria dos franceses, com perspectivas políticas incertas, marca heteróclita que lhe concedeu audiência, mas ameaça sua coesão e crédito”, segundo Serge Halimi (Monde Diplomatique). E acrescenta: só um “cimento unificador” levaria a algo maior. Por exemplo, extrapolar as demandas além do estopim imposto ecológico, e levar ao debate generalizado do sistema capitalista.

Nesse universo, uma surpresa, talvez nem tanto assim imprevisível: a presença maciça, nas rotundas de Paris, das mulheres das classes populares, as que fazem girar as engrenagens dos serviços essenciais. Paralisar esses serviços paralisaria o país. Um poder que ficou ignorado até os anos 1960, 1970, quando elas aderiram, ativamente, às manifestações contra um governo que as alijava do mercado de trabalho.

Justiça social, a chave da transição ecológica – pontifica Philippe Descamps (Diplo). Censura o imposto ecológico de Macron, por ameaçar opor poder aquisitivo e salvaguarda do clima. “Que o fogo tome precisamente as ruas de uma capital onde se assinou, em dezembro 2015, o primeiro acordo universal sobre o aquecimento climático, revela a magnitude do desafio social mundial…” Constata, ainda, que canteiros não faltam sobre o desenvolvimento de energias renováveis, mas sim investimentos. Medidas fiscais dos governos europeus, facilidades de crédito concedidas pelo Banco Central europeu ao setor privado, nada encontrou resposta. “Ao mesmo tempo, o afogador dos tratados europeus constrange o investimento público e limita o poder aquisitivo, pela compressão dos custos trabalhistas… O financiamento da transição desemboca em impasse”.  E, observamos nós, a ação coletiva vem de superar a do governo.

Com a resposta de Macron, em carta aberta aos “caros franceses, caras francesas, caros compatriotas”, o grande debate nacional mal começa. Sem recuo dos favores aos grandes – e presumíveis – investidores. Segundo balão de ensaio, é observar o andar da carruagem, até 15 de março. Ou seja, o pensamento explícito dos destinatários acerca de três itens principais: impostos, despesas, ação pública (implica justiça fiscal); organização do Estado e coletividades públicas (implica coesão social); transição ecológica (implica investimento maciço).

Com repercussão sobretudo no mundo político e da mídia, e eleições no Parlamento Europeu em 26 de maio, o jornal Le Monde adverte que a consulta nacional deixa o presidente indefeso para simular, iludir. Expõe-se a sofrer uma desaprovação mais severa que a de agora. Até lá, então. Os ‘jalecos amarelos’ já usaram a ressonância simbólica de suas vestes, a emergência, para levar sua mensagem a quem de direito. E, em voz que ecoa, soam o título do livro sobre a campanha de Macron: Révolution.