Na natureza nada se perde
Salvo umas poucas ponderações positivas, os encontros de cúpula do G20 costumam receber rótulos bem pouco lisonjeiros: teatro, farsa, desfile político, grupo de aduladores, clube de mal-intencionados, verborrágicos e gastadores, cenário maquilado etc. Mas, da própria Alemanha anfitriã da reunião deste ano, em 7-8 de julho, parte análise mais racional e menos destrutiva. Christiane Hoffmann, subchefe de Der Spiegel em Berlim, contesta os críticos: o G20, diz, é o mais próximo que temos de um governo global, sempre e mais indispensável para debater os problemas que a humanidade enfrenta. Assim sendo, o G20 seria um formato a fortalecer, aperfeiçoar, não a expurgar.
Nascido em 1999, para conceder alguma voz audível aos países em vias de desenvolvimento, o Grupo só realizou sua primeira cúpula em 2008 (Washington, 16-17 de novembro). A cada ano, cada encontro procura ater-se às questões mundiais mais em foco, então. 2017, por exemplo, terminou com um comunicado simples, fruto da mediação da chefe de governo, Angela Merkel, para um compromisso mínimo quanto a comércio, finanças, energia e África.
A mola? Resiliência, sustentabilidade e responsabilidade. Os fins? Manter mercados abertos e estruturas de investimento favoráveis, economia forte e planeta saudável indissociáveis; assegurar um mundo digitalmente conectado aí por 2025. Em suma sumária, cumprir os compromissos coletivos para chegar à Agenda 2030, que exigem prontidão de resposta aos problemas coletivos.
Nos bastidores, Estados Unidos e China apostaram quem ganharia maior influência na Europa. Os primeiros, definitivamente, na postura isolacionista: protecionismo no comércio, não adesão ao acordo climático. A China apresenta-se como campeã da nova divisão interna de trabalho, segundo Der Spiegel Online. Amém por um ponto a mais em favor do G20: Trump e o presidente Putin, em diatribe pública há meses, mantiveram encontro pessoal de duas horas, descrito como de “química positiva”. Vão tratar dos futuros laços, e relegar o passado.
A grande vedete do atual momento mundial, o irascível presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não permitiu mais. Fincou pé em sua política, que espelha a indefensável mensagem ao início do mandato: primeiro, é fazer o que queremos; depois, o que nos beneficia. Merkel, porém, surpreende. Duas semanas antes da cúpula, convoca representantes da sociedade civil, ordenados em formatos vários: Negócios 20, Civil 20, Sindicatos 20, Ciência 20, Think 20, Mulheres 20 e Juventude 20. É conhecer seu pensamento e transmiti-lo, conforme o conceito de que política econômica não é, pura e simplesmente, crescimento, mas crescimento sustentável.
Ressurge uma urgência: África. Cresce a crise de refugiados há dois anos e a explosão demográfica, em 2050, dará ao continente 2,5 bilhões de habitantes, metade com idade inferior a 25 anos. O Pacto com a África, iniciativa alemã para atrair investimentos, inclui, numa primeira instância, Costa do Marfim, Marrocos, Ruanda, Senegal e Tunísia. Cada um recebe 300 milhões de euros.
Embora ainda assumindo uma postura ideológica em estertores – a polarização está entre os favoráveis ou contrários a sociedades abertas –, os críticos do G20 conseguem atingir o establishment. Ao Centro, os ambientalistas querem briga porque o planeta Terra está sobrecarregado de trabalho. À Direita pouco importa justiça, mas proteção às economias internas. E a Esquerda, para mal dos pecados, atrai apoio do outro lado, pelo viés do nacionalismo. Radical, à frente do Departamento de Sociologia da Universidade de Munique, Stephan Lessenich concede: o sucesso econômico depende de explorar outros, e o meio ambiente, em outras regiões do mundo. Conceitos como “capitalismo verde” e “crescimento inteligente”, diz, não oferecem saída para o dilema crucial: a ética consagrada ou a ética responsável.
Desde a cúpula de 2008, em Washington, então limitada aos países do G-8, o grupo passou a 20 membros. Abre, agora, a perspectiva de chegar a 22, incluindo África do Sul e o secretário-geral da ONU. Nem tudo acaba em palavrório. Em breve balanço, a mídia ressalta o foco de cada uma. Em 2009 (Londres e Pittsburgh), ajuda de US$1 trilhão às economias emergentes em recesso e estabelecimento de um fundo de estabilidade para os países membros. No ano seguinte (Seul e Toronto), com a guerra monetária e suas consequências nos preços de alimentos e matérias-primas, duas promessas: dos Estados Unidos, de não inundar o mercado com os títulos do Tesouro; do G20, transferindo 6% do poder de voto no FMI aos mercados emergentes. Menos proveitoso o encontro de 2011 (Cannes), que apenas continuou o de 2010 (Los Cabos, México), sobre o endividamento na zona do euro, puxado pela Grécia. Coube à Rússia abrigar os vinte, em 2013 (St. Petersburg), com foco extraoficial na guerra síria. Os BRICs aproveitaram para altear voz por suas economias. Pouco renderam as conversações dos anos seguintes, com abordagem em guerra e violência: Rússia versus Ucrânia (2014, Brisbane, Austrália); atentados terroristas em Paris, vigilância de fronteiras e afins (2015, Anatólia, Turquia); avanço do protecionismo, mas acordo sobre a ratificação do Acordo de Paris (2016, Hangzhou, China).
Na natureza nem os mascarados se perdem. Pilham, saqueiam, depredam, e assim expõem ao público a antítese de como gerar movimentos de protesto, politicamente abalizados. O vandalismo terá soado, em Hamburgo, como teste. Ou termômetro. Nada leva a crer que Merkel escolhesse, por mero acaso ou sentimento, sua cidade natal como sede desta cúpula do G20. O prefeito Olaf Scholz, figura central na liderança do SPD, deixa os socialistas mal e Merkel intacta para enfrentar as eleições de setembro. É ainda Der Spiegel que ressalta a diferença entre o vandalismo do que se viu e o legítimo protesto político, tolerado por Merkel, bem como o legítimo direito do Estado e Polícia em garantir ordem e controle.
Creditamos a Merkel o fecho da cúpula e desta análise: “Nada acerca da globalização é perfeito”.
Clecy Ribeiro
Jornalista, professora das Faculdades Integradas Hélio Alonso, RJ