Em sequência ao nosso artigo publicado na edição de março, com o título Nada vem do nada, vamos apresentar neste os argumentos sobre as evidências da existência de Deus desenvolvidos pelos teólogos e filósofos Santo Agostinho, Santo Anselmo e Santo Tomás de Aquino, doutores da Igreja Cristã, cujas proeminências tiveram lugar nos séculos IV, XI e XIII, respectivamente nesta ordem cronológica da Idade Média (476-1453).
Ao longo da história, argumentos a favor e contra a existência de Deus vêm sendo propostos por teólogos, filósofos e cientistas envolvendo a fé, questões metafísicas, empíricas, subjetivas e até racionais. Vale lembrar que as pessoas que não acreditam na existência de Deus são chamadas de ateus e as que acreditam são chamas de teístas. Não confundir com aquelas que são agnósticas. Agnóstico é aquele que admite ser impossível compreender ou saber sobre a existência ou inexistência de divindades (politeístas) ou mesmo de um só Deus.
Santo Agostinho. Santo Agostinho de Hipona, teólogo e filósofo da Idade Antiga, (354–430) foi autor da obra O livre-arbítrio, que nos seus capítulos iniciais até o 14º discorre sobre a prova da existência de Deus. Santo Agostinho recebeu a influência de Platão (427-348 a.C.) e Santo Ambrósio (340–397) para conhecer a retórica empregada por ele em seus sermões e palestras. Converteu-se ao cristianismo através da fé por entender que ela o levaria à verdade.
A obra citada foi apresentada sob a forma de diálogo com seus alunos. Nela, ele pretendeu demonstrar Deus como entidade acima de tudo e defendeu o livre-arbítrio da vontade, mostrando que o homem é livre para decidir sobre seus atos e responsável pelos resultados, mesmo que ele o use de forma errada ou provocando o mal. Defendeu, ainda, o uso da razão, porque é o que há de melhor no homem, pois ele diferenciou o homem de todos os outros seres no mundo, especialmente dos animais. Louvou a sabedoria porque é com ela que o homem é capaz de discernir o que é bom e o que é ruim.
Não obstante a racionalidade de suas argumentações, a fé intuída teve grande destaque nas suas obras. Foi um dos filósofos mais respeitados da época pré-medieval e da Idade Média com suas ideias tidas como uma extensão do platonismo. Além do livro citado, escreveu ainda A cidade de Deus e Confissões, uma biografia de sua conversão ao cristianismo.
Santo Anselmo. Santo Anselmo d’Aosta (1033-1109), para provar a existência de Deus, foi o primeiro filósofo cristão que formulou o argumento ontológico, embora tivesse sido trabalhado inicialmente por Platão. Ontologia é o ramo da Filosofia que estuda a essência do ser, a existência e a própria realidade no seu sentido amplo. Santo Anselmo usou esse argumento para demonstrar a existência de Deus a partir da ideia dele em nossas cabeças. Segundo ele, isso faria sentido quando imaginarmos algo tão perfeito que se projete pelo pensamento além de nossa imaginação, o que o levou a concluir que não se tratava de algo de simples construção humana. No fundo, nesse raciocínio está presente a vaga ideia de intuição, ou seja, uma prova a priori. Por ser de natureza abstrata, muitos autores discordaram dessa tese denominando-a de falaciosa. Ele escreveu dois livros: Monologium e Proslógium. A sua prova ontológica consta desse segundo livro. Algo maior não pode existir apenas no intelecto, pois então esse pensamento já seria algo maior que o máximo. Portanto, não há dúvida: Deus tem que existir na realidade. Segundo ele, religiosamente falando, a fé em Deus é inata no homem.
Em resumo, uma essência cuja não-existência seja possível é menos perfeita do que uma essência cuja não-existência seja impossível. Quem pensa na essência de um ser que poderia não existir, não estaria se referindo à expressão “uma essência cuja não existência é impossível”. Essa essência perfeita é Deus.
Santo Tomás de Aquino. Baseado nos debates entre Platão e Aristóteles sobre o simples fato de que as pessoas não podem aquecer-se sozinhas e que a água esquenta quando posta ao fogo, Aristóteles concluiu que as pessoas quando expostas às coisas feitas para serem conhecidas pelos sentidos, são capazes de conhecê-las. Com essa simples noção ele chegou à conclusão da existência de Deus.
No século XIII, Santo Tomás de Aquino (1225–1274) operou uma junção de suas ideias com as de Aristóteles e outros autores no que resultou no chamado tomismo aristotélico. Esta corrente introduziu teorias racionais e científicas para reforçar o combate às heresias, ao paganismo e a não aceitação da existência de Deus. Sua intenção foi a de refutar o platonismo de Santo Agostinho e seguidores, revolucionando a Filosofia da época, que passou a ser chamada de Tomismo ou Escolástica. Assim, Santo Tomás de Aquino foi o nome mais importante da Escolástica, ramo filosófico dominante no século XIII e seguintes.
Santo Tomás de Aquino utilizou o conhecimento das imperfeições humanas para atribuir a Deus todas as perfeições (17 virtudes ou atributos). Com essa premissa fundamental, ele negou a existência em Deus de todas as imperfeições, que só existem nas pessoas. E, com base nas 17 virtudes ou atributos perfeitos ele criou as assim chamadas Cinco Vias como Prova da Existência de Deus.
Para São Tomás de Aquino, a filosofia Aristotélica seria uma via racional que o levaria a Deus. Aristóteles afirmou que o princípio de todo o Universo estaria em um elemento chamado primeiro motor imóvel, algo que ele aponta como sendo o primeiro princípio de tudo que existe. Copiando esse princípio de Aristóteles e adicionando o princípio da perfeição, Santo Tomás de Aquino criou as chamadas Cinco Vias para o conhecimento de Deus. Afirmando, ainda, que a Filosofia não pode ser substituída pela Teologia e que não pode haver contradição entre razão e fé, ele teorizou sobre o conhecimento adquirido de seus antecessores, notabilizando-se pelas suas chamadas Cinco Vias para o conhecimento de Deus. Aqui estão elas:
1ª Via. O motor imóvel: A Primeira via de Aquino supunha a existência do movimento no cosmos. Todavia, as coisas não se movem sozinhas, ora, as coisas ou são movidas ou movem outras coisas. Logo, é fútil buscarmos uma causa primeira somente por meio dessa lei, pois não explicamos o movimento se não encontrarmos um primeiro motor ou causa primeira que move todos os outros. Nota: Podemos entender aqui motor imóvel ou primeiro motor como sendo o Princípio Inteligente do Racionalismo Cristão.
2ª Via. A prima causa eficiente: A segunda via vai complementar a primeira, alegando os efeitos do tal motor imóvel. Ao observar o movimento temos a percepção da lei de causa e efeito. Assim sendo, não existe efeito sem causa e vice-versa. Isso posto, é impossível chegar a uma causa eficiente que dê início ao movimento das coisas somente através da lei de causa e efeito.
3ª Via. O ser necessário e os seres possíveis: A terceira via é uma indagação sobre o ser que é e o ser que não é (ser e não ser, eis a questão, segundo Shakespeare). Aquino dizia que para o Ser existir ele primeiro precisou não ser, isto é, não existir. Todavia, nada vem do nada, título de nosso primeiro artigo. Portanto, é necessário algo que dê existência ao ser, ou seja, é necessário um elemento que fundamente sua existência.
4ª Via. Os graus de perfeição: Ele afirmou que a Filosofia não pode ser substituída pela Teologia. Afirmou, ainda, que não pode haver contradição entre fé e razão. Com essas premissas principais, Aquino propôs comprovar a existência de Deus através de cinco vias:
5ª via. O governo supremo: A quinta e última via indaga a respeito da finalidade das existências. Aquino argumenta a respeito da existência de um arquiteto inteligente gerenciador do cosmos. Se no mundo há ordem então é necessário que alguém ou algo coordene e dê finalidade e harmonia a todas as coisas. Esse algo ou alguém é Deus.
Conclusão. Percorremos muitos séculos de conhecimentos sobre a formação gradativa de sabedoria a respeito da verdadeira natureza de Deus e suas virtudes e atributos por parte de teólogos famosos que se tornaram doutores e santos da religião cristã. Eles apresentaram suas ideias e argumentos sobre as evidências da existência de Deus ou Inteligência Universal na concepção racionalista cristã. Contudo, há uma diferença entre os conceitos de evidência e prova, que não são a mesma coisa. Entendemos por evidência tudo que possui clareza de compreensão, mas pode ser contestado, enquanto que prova necessita demonstração inquestionável, sem contestação. Embora com essa ressalva, essas evidências trouxeram um grande avanço nos caminhos da metafísica e da espiritualidade. Tratando-se de uma condição transcendente, fora do espaço-tempo, não temos conhecimento para provar cientificamente sua existência, mas podemos aceitar sua existência pelas suas inequívocas manifestações no planeta-escola Terra.