No limiar de 1956

No início de mais um ano de atividades, sente-se o natural anseio de melhores dias, no sentido de que maiores possibilidades para a concretização das verdadeiras aspirações de paz e harmonia, tão almejadas pelos sinceros idealistas, sejam realmente efetivadas, surgindo, então, os costumeiros votos de prosperidades, formulados alguns, no desejo ardente de se os verem realizados, mas muitos superficiais, externados em meras demonstrações de cortesia.

O ser humano sentiu desde remotos tempos a necessidade de dividir o tempo, para metodizar as normas reguladoras da vida e, por isso, temos a nos contemplar a imponência austera dos séculos, com toda a sua corte de devassidões, misérias, tristezas, alegrias, lágrimas, sorrisos virtudes, espinhos, flores… Comparando-se os anos mais próximos, observam-se as mesmas características do torvelinho febricitante em que se acha mergulhada a humanidade.

Um indivíduo dominado por pensamentos realistas, embora distribua todos os anos os seus votos de felicidade, poderá ter em seu íntimo a convicção de que nada adiantarão tais votos de feliz ano novo, em virtude da inalterabilidade dos acontecimentos, havendo atualmente tendências apenas para piorar, enquanto que um mais otimista continua a exteriorizar os seus votos com sentimentos iluminados por um raio de esperança, na ânsia irreprimível de um ano mais feliz e bonançoso.

Encarando-se tais fatos criteriosamente, chegaremos à conclusão de que a melhor atitude é a do meio termo, porque existem os realistas com inclinações para a descrença total, descambando até para o materialismo brutal, e os idealistas, sonhadores, dominados pela expectativa da realização de ideais irrealizáveis à luz da razão, mas equilibrando-se entre estes dois extremos, há os que sabem se manter em posição moderada, sem se inclinarem para o campo do exagero, pois, são realistas sem os propósitos dos materialistas descrentes, nem para o dos idealistas, sem os devaneios dos sonhadores que esperam pelo que não pode acontecer. É claro que destes últimos partem os votos realmente dignos de acolhimento.

Em cada ano que passa, ao cumprimentarmos o nosso semelhante augurando-lhe felicidade para o que se avizinha, fazemo-lo com os olhos voltados para o futuro. E, que sentimos?! Os que trilham o caminho da sensatez, sentem nesse futuro uma dolorosa interrogação! Sentem-na porque o desenrolar de nossos dias impõe semelhante vaticínio, e somente os que não querem enxergar não percebem a iminência de fases sombrias para a humanidade, o que naturalmente, só poderá ser evitado se os governantes modificarem seus desígnios político-administrativos.

Não é com a disseminação de ideologia propugnadora de uma igualdade incontestavelmente utópica, valendo-se do descontentamento e da miséria reinante nas classes sociais mais baixas, onde encontram terreno fértil ao seu desenvolvimento, que se conseguirá a solução para o problema cruciante das Nações. O esforço sistemático dos diferentes membros da comunidade, obtido mediante as imposições de um governo enérgico talvez seja o único caminho certo a ser trilhado.

Estamos no limiar de 1956! Aqui ficam, portanto, o apelo veemente de paz e entendimento entre os seres humanos, bem como os votos de harmonia, compreensão, prosperidade, tão necessários, mas não formulados à maneira dos materialistas descrentes nem tampouco dos idealistas sonhadores, místicos, crentes no que não existe, mas sim maneira dos verdadeiros idealistas que, em detrimento do seu bem-estar pessoal, colocam acima de tudo os interesses da coletividade.

Publicado em 15 de janeiro de 1956.