O que é a humanidade?

“Você nunca sabe quais resultados virão da sua ação, mas se não fizer nada, não existirão resultados.” – Mahatma Gandhi

Recente artigo neste jornal trouxe à reflexão dos leitores questão fundamental para a compreensão da essência filosófica que o Racionalismo Cristão defende e divulga acerca da espiritualidade. Nele foi abordado o tema O que é o Grande Foco?, assinalando que Grande Foco é chamado também de Inteligência Universal e de Força Criadora, posto que é Luz, é Inteligência, é Poder Criador e Legislador do Universo. É, dessa forma, origem e destino de tudo quanto existe.

Foi ressaltado também o contraste entre essa definição e a concepção de algumas vertentes de pensamento que criaram um deus à semelhança dos humanos.

No artigo foi dito ainda que não existe separação entre a humanidade e o Grande Foco, e sim individualizações da Força Criadora em inúmeras parcelas em permanente evolução – os espíritos portadores do livre-arbítrio. Ficou evidenciado, finalmente, que Grande Foco é o próprio Universo e tudo que está criado, é tudo que existe, sem ficar nada “de fora”.

Força e Matéria. Pois bem. Diante das reflexões que o artigo nos inspirou, pretendemos ampliar o tratamento da questão de maneira que, acreditamos, seja complementar à primeira, pois soma à demanda “o que é Grande Foco?”, outra que julgamos pertinente: “o que é a humanidade?”. Cabe, a essa altura, uma explicação. Como é sabido pelos estudiosos do Racionalismo Cristão, os dois únicos componentes do Universo são Força e Matéria. Sob essa dualidade se resume e se explica a vida em seu aspecto amplo e construtivo. A relação que se nota é, portanto, de dualidade, de pares que se complementam em processo de contínuo movimento: Força e Matéria, Grande Foco e Humanidade. Por isso, a questão “o que é o Grande Foco?” merece, a nosso ver, ser ampliada pelo exame de seu paralelo: “o que é a humanidade?”

Em acréscimo a isso, vimos que está fartamente evidenciada nos desdobramentos do escopo teórico da filosofia racionalista cristã a melhor maneira de se executarem as diretrizes que devem ser seguidas por suas parcelas individualizadas – os espíritos – no processo de crescimento pessoal, isto é, a melhor maneira de respeitar, adaptar-se e submeter-se às leis naturais e imutáveis que regem o Universo nos pormenores relacionados à humanidade, para bom andamento da trajetória evolutiva de cada ser humano. A perfeita compreensão desses pormenores é indispensável para clareza de entendimento do que a filosofia racionalista cristã propõe e defende: fortalecer, esclarecer e espiritualizar a humanidade.

Termo abstrato. Observamos que, gramaticalmente, humanidade é substantivo abstrato, posto que não tem concretude, não existe por si mesma, não tem substância, é uma abstração. Ninguém viu o “objeto” (substantivo concreto) chamado humanidade. Gramaticalmente tal “objeto” não existe. Conforme vemos na Gramática, portanto, “a humanidade” só existe em termos abstratos, no plano das ideias, das definições conceituais, embora exprima algo perceptível a olhos nus – o ser humano.

Para bom entendimento do que se propõe, retenha-se em mente que não devemos ater-nos somente aos aspectos gramaticais da palavra humanidade, mas escrutinar também seu conteúdo filosófico, posto que seu sentido extravasa os limites da gramática e adentra o campo da filosofia e, assim, nos proporciona ampliação do que propomos demonstrar sem nos restringirmos aos aspectos puramente gramaticais (morfológicos) do termo, fato que tornaria limitada nossa compreensão. Mesmo assim, não podemos negligenciar de todo seus aspectos gramaticais.

Lembremos que Filosofia é uma arte (não propriamente uma ciência no sentido estrito) que se propõe fornecer elementos conceituais e práticos para melhor compreensão do sentido da vida e para uma vivência em harmonia com o Universo e suas leis naturais.

O que nos impulsiona neste artigo é, dessa forma, transpor um conceito abstrato – humanidade – para sua representação no plano concreto – o ser humano em sua dimensão ampla e transcendental.

Neste ponto afirmamos, paradoxalmente, que embora “a humanidade”, seja uma abstração no sentido gramatical, ela tem concretude, tem substância e efeitos práticos no dia a dia. Deve, por consequência, ser tratada em sua dimensão concreta.

Opusemos até aqui, abstração e concretude, e juntamos os dois elementos no mesmo significado. Mas afinal o que pretendemos com isso? Pretendemos introduzir na mente do leitor a concepção de que, em nosso processo evolutivo como espíritos encarnados, não tratamos jamais com a “humanidade”, não nos relacionamos com a “humanidade”, pois, a rigor, ela não existe. Tratamos, isso sim, com seres humanos, com pessoas.

Afastamento. Pessoas têm contradições, têm habilidades, têm fraquezas, têm possibilidades, têm talentos, têm imperfeições… Quando percebemos que o que realmente tem valor são as pessoas, mudamos nossa forma de encarar a “humanidade”. Notamos que o que nos comove, o que nos alteia, o que nos faz rir, o que nos faz chorar, o que nos golpeia, o que nos contraria, o que tenta subverter nossas convicções, o que no mais das vezes coloca à prova nossa força interior, o que nos lança avante na caminhada da vida não é a “humanidade”, senão os seres humanos com os quais nos relacionamos.

Quando afirmarmos que a “humanidade é isso ou aquilo”, que “a humanidade está assim ou assado”, que “a humanidade deveria agir dessa ou daquela forma”, que “a humanidade deve esclarecer-se”, corremos, ainda que inconscientemente, o risco de nos afastarmos do que nos cabe fazer em termos concretos e acabamos por nos perder em abstrações. Afastamo-nos da concretude da humanidade, que é o ser humano. Ficamos na posição de entender a “humanidade” como se fosse algo apenas etéreo, imaterial. Algo separado de nós mesmos, algo com que nos relacionamos de longe, de vista. Algo com que não devemos nos comprometer, algo que devemos observar apenas, sem nos sentirmos parte dele ou, na melhor das hipóteses, algo com o qual devemos relacionar-nos apenas intelectualmente, “espiritualmente”.

Espiritualidade. Não deve ser assim. Não pode ser assim. A partir do momento em que nos esclarecemos acerca da espiritualidade, devemos pôr em prática o que aprendemos, pois o que faz diferença no fim das contas é a espiritualidade em sua dimensão prática, concreta. Notemos, em apoio a essa concepção, como agiram os grandes vultos da humanidade que de fato introduziram valores positivos em bem da humanidade. Ficaram mergulhados em abstrações? Não. Agiram no plano concreto, fundamentados no cristianismo prático, ou seja, na prática efetiva do bem, da virtude e do amor ao próximo.

Devemos – por isso e sempre em contato com outros seres humanos – pôr em prática nossos conhecimentos, aplicá-los no que realmente importa, que é oferecermos ao outro todo bem que estiver ao nosso alcance sem nos limitarmos a restrições de classe, de etnia, de crenças ou de seja lá o que for que possa “nos separar”.

Devemos, finalmente, ver em cada ser humano que nos circunda a “humanidade” de que tanto falamos e que nos proporciona – cada ser humano em suas particularidades – elementos para análises, para reflexões, para o crescimento pessoal e, fundamentalmente, nos oferecem as oportunidades de que precisamos para melhor agirmos em benefício da nossa própria evolução, para aprendermos sobre nós mesmos e, consequentemente, para agirmos em benefício de toda a humanidade, de todos os seres humanos.