Pode ser muito estranho explicar e aceitar essa frase atribuída ao filósofo Aristóteles e que foi escrita há cerca de 2.350 anos: “O todo é maior do que a soma das partes”. Se tomarmos a frase simplesmente sob o ponto de vista aritmético ou interpretá-la pela geometria plana ela é uma charada, pois representaria um paradoxo lógico bem difícil de aceitar. Mas, se considerarmos que quase tudo que é composto por junção de suas partes é sistêmico, faz-se a luz nessa verdadeira, brilhante em tão antiga expressão.
A coisa se complica um pouco mais quando se toma a tradução de W. D. Ross, de 1908, que aparece no livro VIII da Metafísica de Aristóteles: “No caso de todas as coisas que têm várias partes e nas quais a totalidade não é, por assim dizer, um mero amontoado, mas o todo é algo além das partes, há uma causa; pois mesmo nos corpos o contato é a causa da unidade em alguns casos, e em outros a viscosidade ou alguma outra qualidade.” [1] Verifica-se, então, o aparecimento da expressão “além das partes” em lugar de “soma das partes” o que nos leva a descartar o simples raciocínio aritmético. Aliás, na contextualização desse artigo vamos tratar de algo mais holístico ou integrado que é desenvolvido pela teoria dos sistemas, onde os termos “emergência” e “sinergia” são usados com muita frequência.
O atual paradigma científico, institucionalizado a partir de 1928 por um grupo de físicos quânticos, dá prioridade ao estudo das partes para se chegar ao conhecimento do Todo. Isso nos levou ao materialismo reducionista presente atualmente, com a fragmentação das ciências em especializações científicas e de profissionais em vários ramos, como a Biologia, a Medicina, a Psicologia e por ai vai.
Desde então, um significativo grupo de cientistas das áreas citadas passou a propugnar por uma nova visão da realidade que se baseia “na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenos — físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais”, para citar o físico Fritjof Capra, renhido defensor dessa mudança de paradigma. Essa abordagem de um novo paradigma é conhecida como abordagem holística e inclui não só as ciências citadas, como também, os biomas e ecossistemas.
Nessa concepção, a natureza do todo é sempre diferente da mera soma de suas partes. Outro aspecto importante dos sistemas é sua natureza intrinsecamente dinâmica. A abordagem holística está muito próxima da teoria geral dos sistemas. Ela enfatiza mais as relações entre as partes do que as entidades isoladas. Porém, reducionismo e holismo, análise e síntese, são enfoques complementares. Para melhor entendimento das considerações anteriores e sua aplicação na interpretação do intuitivo texto de Aristóteles, vamos contextualizar alguns exemplos bem interessantes, a seguir.
- Primeiro exemplo: um relógio. Isso se aplica quando uma coisa é feita de muitas partes, como um relógio, por exemplo, que no seu conjunto pode ser mais importante, mais útil, mais bonito ou de alguma outra forma “maior” do que todas as partes de per si. Por exemplo, se você pegar todas as peças de um relógio desmontado e colocá-las sobre a mesa, elas não dirão as horas como um relógio montado. Esta “coisa” – o relógio – tem utilidade só quando montado, no seu conjunto.
- Segundo exemplo: dinâmica de grupos. Vimos que sinergia significa que cada uma das partes se alimenta de todas as outras, formando assim um todo (um conjunto) que é maior do que a soma das partes individuais. Isso pode acontecer em dinâmica de grupos, em sessões de brainstorming bem-sucedidas e em sistemas humanos complexos, como uma empresa, usando equipes de trabalho, quando muitas pessoas trabalham juntas em equipe e em um mesmo problema. O resultado, no seu conjunto, geralmente é bem maior que a soma das partes. A ideia criada por cada pessoa aciona nova ideia, que aciona outra, até que se chegue a uma conclusão maior (mais completa) do que qualquer pessoa poderia ter criado sozinha. Essa é a forma de otimizar o trabalho nas universidades de pesquisas e nas empresas industriais e comerciais.
- Terceiro exemplo: o corpo humano. Se dividíssemos o corpo humano em partes como coração, fígado, pulmões, sangue, músculos ou, melhor ainda, em sistemas como sistema nervoso, sistema pulmonar, sistema digestivo, sistema circulatório etc., não seríamos mais um ser humano, mas apenas uma coleção de órgãos, tecidos e células. Todas essas partes ou sistemas são necessárias exercendo a sua função para o bom funcionamento do corpo humano. Mas cada uma delas de per si não define o corpo humano e, isoladamente, perdem o valor de seu funcionamento em conjunto. Precisamos do conjunto dessas partes para o funcionamento hígido e harmônico do corpo humano.
- Quarto exemplo: como recurso emergente. Invocamos a “teoria da emergência” – uma seção da Filosofia para explicar esse exemplo. A teoria da emergência examina e discute entidades que são compostas de partes elementares menores nos casos em que a entidade maior exibe características ou traços que as entidades menores não exibem. Um exemplo clássico disso é a água. Veja a teoria da emergência no link: https://en.wikipedia.org/wiki/Emergence. A água é composta de apenas dois elementos: duas partes de hidrogênio e uma parte de oxigênio. Mas quando você combina quimicamente os dois elementos obtém a água com propriedades que nem o hidrogênio nem o oxigênio têm. Como exemplo, a água tem a propriedade única de se tornar menos densa à medida que esfria (a água atinge sua densidade máxima aos quatro 4 graus Celsius). Essa propriedade não é encontrada nem no hidrogênio, nem no oxigênio, que se tornam mais densos à medida que ficam mais frios. Assim, a água tem propriedades que vão “além” da simples soma das propriedades do hidrogênio e do oxigênio. A neve, uma das formas de água na natureza, apresenta-se em flocos, constituídos de padrões complexos e simétricos, verdadeiros fractais que explicam a emergência em um sistema físico.
Concluindo, a expressão contida no texto de Aristóteles não faz sentido lógico porque não é uma frase de conotação literal e direta. Trata-se de uma ideia filosófica de Aristóteles e equivale ao termo moderno sinergia e emergência. Isso não significa que o todo é literalmente maior do que a soma de suas partes, mas sim que a produção de um sistema é surpreendentemente alta, como quando as coisas simplesmente combinam.