Embora a consideração da humanidade como uma família universal apresente em seu uso corrente, como toda classificação, o risco da simplificação, é possível tomá-la como um significativo ponto de partida – um gatilho, por assim dizer – para análises profundamente frutíferas, principalmente quando tem, como é o caso, o objetivo de destacar a relevância da diversidade humana no processo de desenvolvimento moral dos seres humanos e de colaborar para a construção da paz mundial.
Para o estudioso da espiritualidade que verdadeiramente deseja alcançar metas cada vez mais elevadas e sublimes, o importante é saber de forma nítida por onde avançar. Ele há de agradecer sempre as sinalizações claras, mesmo que estas eventualmente lhe indiquem caminhos estreitos e árduos, e evitará resolutamente as vias que, embora largas e convidativas, não conduzem a lugar nenhum ou desembocam em abismos perigosos e intransponíveis.
Assim, pretendemos apontar um caminho seguro para o avanço no campo da ética e da espiritualidade, bem como para o estabelecimento de uma cultura de paz e entendimento, que consiste precisamente em respeitar a diversidade de opiniões e pontos de vista existentes na sociedade e buscar sempre acolher o ser humano, compreendendo-o, fraternalmente, como uma extensão de nós mesmos.
O simples vocábulo “família” evoca um quadro suave da existência de cada um de nós. Ricos ou pobres, jovens ou idosos, incultos ou eruditos, todos nela figuramos, e a imensa maioria de nós dela se recordará com a mais saudosa memória. Há que ressaltar, desde já, que não se pode compreender a extensão do conceito de família sem sinceridade e simplicidade de espírito. Dessa forma, “sinceridade” no sentido próprio e “simplicidade” na acepção metafísica são conceitos inseparáveis, uma vez que a sinceridade sem simplicidade é vaidosa e ilegítima para a apreciação do tão elevado conceito de família.
A consideração da humanidade como uma grande e produtiva família constitui hoje, como no passado, uma exigência essencial da vida e da cultura, não só do ponto de vista teórico, mas também do aspecto prático. Amigos, a solução da atual crise econômica, social, política, ética, moral e mesmo de formação da personalidade envolve, em última análise, de uma ou outra maneira, a consideração correta e ordenada do conceito ampliado de família, como sempre nos enfatizou o Racionalismo Cristão.
Queremos destacar aqui a nossa busca constante por cumprirmos a missão de anunciar a importância da espiritualidade na apreciação dos fatos e fenômenos que envolvem a complexa convivência humana. De fato, quando a pessoa desperta para os valores transcendentes, amplia sua consciência moral e compreende melhor sua própria dignidade e, por conseguinte, o valor de seu semelhante.
Ao descobrir-se integrante de uma mesma e única família, a pessoa vislumbra a autêntica importância da justiça e da paz e passa a ressignificar suas relações e intercâmbios. Na sociedade, vive-se diretamente o sentido de pertencer a um grupo. As pessoas esclarecidas assumem o desafio e o anseio de ser solidárias e empáticas, refletindo, assim, no mundo exterior aquilo que vivenciam em seus próprios lares. Esta consistente decisão, que assinala um elevado estilo de vida, é uma exigência do progresso moral, pois quem não decide amar com sinceridade e sem preconceitos seu semelhante – membro da grande família humana –, dificilmente amará, de fato, os integrantes de sua família particular.
As concepções falsas e ultrapassadas de superioridade étnica não encontram no campo da espiritualidade argumentos que a legitimem. Muito pelo contrário. Geralmente, elas são construídas por outras forças, que procuram tornar-se invisíveis para melhor exercer seu poder de subjugação.
A diversidade humana assume, especialmente à luz da espiritualidade, uma clareza singular: ela existe para estimular a ampliação dos atributos espirituais. Esse é o fio condutor de nossos estudos e o centro de nossa análise. Existe uma elevada utilidade na diversidade humana. No campo do conhecimento, pode-se afirmar que, por um lado, ninguém tem tão pouco que não possa oferecer; e que, por outro, não há ninguém que tenha tanto que não possa receber. O intercâmbio produzido pela diversidade promove, sem dúvida, o enriquecimento cultural, mas também permite que se desenvolva o senso de solidariedade e reciprocidade.
Entretanto, todas as coletividades, a despeito de determinações biológicas ou geográficas, apresentam um conjunto de características comuns, que podem justificar, positivamente falando, a tentativa histórica de construir uma cultura de paz, fato que reproduz a beleza da espiritualidade, de caráter universal e, portanto, não pertencente a um único grupo ou instituição.
O ser humano espiritualizado e consciente torna-se solidário de todas as formas de expressão humana. Não compartilha o ostracismo a que são relegados certos seres humanos ou grupos que não se enquadram nos modelos ditados pela mesquinhez situacional, mas encontra na solidariedade genuína um caminho plenamente seguro para amadurecer emocional, intelectual e moralmente.
Isso assume singular importância na atualidade, quando mesmo com todos os avanços tecnológicos, produtos de seu talento e capacidade inventiva, o ser humano demonstra, em muitos casos, que ainda não aprendeu a respeitar seu semelhante. A necessidade de constante reflexão e profundidade analítica sobre os atos humanos é importantíssima, uma vez que o potencial humano é neutro, pois pode ser usado tanto para o progresso moral quanto para a degradação. Torna-se evidente, portanto, a necessidade de um extraordinário empenho de espiritualização e a difusão de preceitos elevados, para que todos possam conhecer-se melhor e, a partir da autoidentificação e da autoaceitação, acolher os que são – externamente – diferentes, como nos ensina o Racionalismo Cristão.
Se pretendemos aprofundar estas nossas reflexões, que nos levam a aceitar a multiplicidade de opiniões e comportamentos, precisamos unir duas ideias: a de que o próximo não é um conceito abstrato, indeterminado, genérico, mas sim uma pessoa, única, distinta, particular, concreta; e a de que o seu reconhecimento enquanto tal não se resume em uma atitude exterior de respeito, mas na disposição íntima de enxergá-lo como uma extensão de nós mesmos.
Buscando desenvolver a compreensão sincera dos dramas vivenciados por nossos semelhantes com um olhar empático, acolhendo dignamente os mais frágeis, todos poderemos dar um passo significativo para que, coletivamente, não tornemos a experimentar situações excludentes; para que, unidos e esclarecidos, possamos construir uma cultura de interação e solidariedade.
A noção de colaboração está diretamente associada à ideia de que todos os seres possuem a capacidade de receber novos conhecimentos, produzindo, a partir destes, outros conhecimentos que, por seu turno, irão contribuir para o enriquecimento da realidade social e para a ampliação dos atributos espirituais latentes de todos os envolvidos. Nesse processo colaborativo, livre de preconceitos e distinções fúteis, há um reforço da confiança e a abertura do ser humano a novas possibilidades, circunstância na qual as influências globalizadas que penetram a vida cotidiana por todos os meios podem ser mais bem administradas, de modo que a pessoa retenha unicamente os conteúdos que promovam e elevem a condição humana e que jamais desmereçam o grupo familiar.
Embora haja predomínio na divulgação de conteúdos pessimistas e derrotistas sobretudo em relação à família, a intolerância à ideia de família compõe-se, felizmente, de círculos pouco amplos, distantes do pensamento e das aspirações da maior parte dos habitantes do planeta, que não estão ligados a um sistema orgânico por interesses mesquinhos, mas por uma forte afinidade de sentimentos de fraternidade.
Nosso propósito é fazer reluzir o brilho incomparável do ideal de união. Apoiando-se à força intrínseca de que é dotado tal ideal, o ser humano deve buscar confiar mais nas pessoas e reconhecer o sentido e a amplitude do caminho que está percorrendo nesta casa comum a todos que é o planeta Terra.
Sabemos não ser incomum encontrar na sociedade pontos de vista diferentes e até contraditórios, como acontece, aliás, em todas as famílias. Contudo, mesmo em meio às múltiplas tensões verificadas e às mais diversas formas de expressões artísticas, religiosas e folclóricas, a essência dos seres humanos autoriza-nos a falar em unidade, uma vez que todos têm uma origem comum, ou seja, todos nós emanamos da mesma fonte: a Inteligência Universal.
Essa compreensão é a chave de nossa relação com os outros. Quanto mais intenso for o entendimento de que temos uma mesma origem, de que essencialmente somos irmãos, tanto mais forte e confiante será nossa relação com o próximo. É preciso assimilar essa verdade e ultrapassar os entraves constituídos por teorias e tradições mal assimiladas.
Nessa visão, tradições diferentes não devem causar, necessariamente, tensões indevidas na sociedade, nem é cabível o estabelecimento de um estado de perplexidade diante de interpretações conflitantes. O sentimento de fraternidade é capaz de transpor abismos e estabelecer pontes que conectem todos os seres humanos, independentemente de suas peculiaridades.
Importantíssima é a afirmação anteriormente explanada a respeito da empatia, porque torna compreensível como o intercâmbio entre amor ao próximo e dever moral – embora tais coisas sejam função uma da outra – é condição que permanece inalterada no que diz respeito ao estabelecimento de relações produtivas e duradouras, respeitosas e afetuosas entre os seres.
Por tudo o que foi demonstrado em nossa reflexão, não se pode desconsiderar a sublime importância da família, tanto da família particular quanto da família universal. Esta é sua expressão máxima, e é fácil notar que a tendência é atribuir-lhe uma relevância cada vez maior. É por isto que estamos trabalhando: para divulgar cada vez mais a ideia racionalista cristã de que a família, embora não seja uma realidade perfeita e acabada, posto que se aperfeiçoa por meio da consolidação do amor, é a fonte inspiradora de valores que legitimam toda tentativa de construção de uma humanidade pacificada. Amigos, não é por acaso que vivemos uns ao lado dos outros. Meditemos sobre isso!
Muito obrigado!