Thomas Hobbes e o absolutismo de Leviatã – I

Autor da obra Leviatã, com a qual haveria de somar-se ao rol dos pais da filosofia política, o pensador inglês Thomas Hobbes (1588-1679) nasceu na aldeia de Westport, próxima da cidade de Malmesbury. Apesar do período histórico em que viveu, viria a morrer em avançada idade, 91 anos, no Hardwick Hall, palácio rural situado em Doe Lea, aldeia perto da cidade de Chesterfield, também na Inglaterra.

Marcado pelo medo. Thomas Hobbes era filho do vigário da igrejinha anglicana da aldeia, pois o anglicanismo passara a ser a nova religião da Inglaterra desde 1534, quando o rei Henrique VIII rompeu com o papa e o catolicismo. E esse foi um dos motivos por que o rei Filipe II, da Espanha, aliado da Igreja e amigo do papa, decidiu atacar a Inglaterra, a fim de restaurar nesse país a religião católica.

Assim a população inglesa viveu um período marcado pelo medo, já que sua querida ilha, mesmo separada do continente europeu pelo Canal da Mancha, poderia ser, de pronto e facilmente, alcançada pela Invencível Armada, como, então, era chamada a frota marítima-militar da Espanha, o que, realmente, acabaria acontecendo. 

De fato, em 1588, ano do nascimento do filósofo em pauta neste artigo, os espanhóis chegariam, com sua famosa frota, à Inglaterra, com a “missão” de impor ao país insular o catolicismo. Porém, não obstante a superioridade numérica da “Invencível” Armada, os espanhóis seriam derrotados pela frota marítima-militar britânica, para alívio, e festa, do povo inglês. 

Mas isso não isentaria totalmente de medos e tristezas a infância do futuro filósofo, pois o inculto pai do menino Thomas, alheio à sua condição de vigário, era um homem violento. Como se não bastasse, um dia, depois de uma briga, com outro vigário, em frente à sua própria igreja, foi embora de Westport, abandonando na aldeia os três filhos e a esposa, que acabariam sendo acolhidos e tutelados pelo irmão de tal pai e marido, não só violento como também irresponsável.

 Universitário aos 15 anos. Graças ao tio, o jovem Thomas conseguiria não só continuar e concluir a fase de ensino básico, mas também iniciar, com apenas 15 anos, seus estudos de nível superior na Universidade de Oxford, Inglaterra. 

Nessa instituição, Thomas Hobbes conheceu a doutrina de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) e a de Tomás de Aquino (1225-1274), teólogo e filósofo católico, autor da  obra Suma Teológica, em que Aquino, tentando provar a racionalidade da fé católica, busca conciliar, ora veja, a teologia da Igreja com o racionalismo aristotélico. Como os demais pensadores do empirismo, corrente filosófica inaugurada, como já visto em edição anterior deste jornal, por Francis Bacon (1561-1626), Hobbes também sofreu a influência do racionalismo moderno, fundado por Descartes (1596-1650), tema também de edição passada.

Semelhanças e influências. Devido às descobertas de Galileu Galilei, as teses aristotélicas que dizem respeito às ciências naturais eram muito questionadas na época de Hobbes. Apesar disso e de não se incluir entre os grandes admiradores de Aristóteles, diz um estudioso, observa-se na obra do pensador inglês certa influência do pensador grego.

Porém, conforme um historiador do pensamento ocidental, os dois filósofos que mais influenciaram Hobbes, de modo especial em sua obra fundamental, Leviatã, teriam sido Francis Bacon, para o qual ele trabalhou, como secretário, de 1621 a 1626, e Nicolau di Bernardo Maquiavel (1469-1527), nascido em Florença, Itália, e autor da famosa obra O Príncipe.

Maquiavel escreveu O Príncipe no século XVI, e Hobbes, influenciado por Maquiavel, escreveu Leviatã no século XVII. Nessas duas obras são abordados temas concernentes à política, o que explica as semelhanças de conceitos constatadas em ambas. Um exemplo é a ideia de um Estado centralizado em uma figura que está acima de todas as demais –  no caso de Hobbes, o rei que age como um leviatã e, no caso de Maquiavel, o príncipe; outro exemplo é o fato de que tanto em Hobbes quanto em Maquiavel, o objetivo não é a construção da democracia, mas a manutenção do poder pelo soberano como forma de garantir a coesão social.                  

De acordo com outro estudioso, Hobbes faz parte de uma tradição que reúne o humanismo renascentista, o realismo político de Maquiavel e os teóricos da lei natural, que procuram justificar a origem das leis civis e do poder político. Segundo ainda tal especialista, é a partir da compreensão dos humanistas que Hobbes prega, em sua obra básica, Leviatã, o ideal humanista de união da razão e da retórica para “ampliar e sublinhar as descobertas da própria razão e da ciência”.

(Bem, a esta altura, para não ultrapassar o espaço que, de costume, ocupa em nossa querida A Razão, o escriba dará continuidade a este capítulo sobre Hobbes na próxima edição desta folha).