Torvelinho mental: misticismo, místicos e mitos

Há um conjunto de palavras em todas as línguas que exprimem, de forma diferenciada, o misticismo que as embasa e ainda predomina nas culturas de todos os povos. Os termos e os conceitos que vamos tratar nesse artigo são misticismo, místicos e mitos. Eles estão presentes em quase todas as religiões e algumas filosofias. Caímos, assim, no alçapão de um verdadeiro torvelinho mental.

Tudo isso deriva da ignorância humana sobre as coisas sérias da vida, abrangendo a chamada realidade transcendente. Contam-se aos bilhões os seres humanos que preferem manter divagações imaginárias, falaciosas e fantasiosas por pura indolência, herança cultural e preguiça mental.

Misticismo. Na tradição ocidental, o conceito de misticismo está intimamente relacionado com certas abordagens de natureza religiosa, e, até mesmo, filosóficas ou espirituais voltadas para a elevação espiritual. Cada pessoa sente, a seu modo, que precisa criar condições de manter conexão com algo maior que ele mesmo e que vive fora da Terra. As pessoas que desenvolvem esse tipo de vivência são chamadas de místicas, conforme veremos no tratamento que daremos a este assunto no item seguinte.

O misticismo afasta-se contundentemente da racionalidade, e as pessoas que se intitulam de místicos pretendem que são privilegiadas por alcançarem comunhão com a divindade de maneira direta e particular. Proclamam, muitas vezes, que são dotadas da faculdade de mediunidade realizada de uma maneira muito íntima. Valorizam demasiadamente esses seus dons a ponto de se intitularem de verdadeiros gurus e criarem em torno de seu nome uma aura de santidade.

Aqueles que conhecem os princípios do Racionalismo Cristão sabem muito bem que todos os seres humanos somos capazes de captar intuições, portando graus diferentes de mediunidade intuitiva. Porém, para atuarmos como médiuns nas reuniões públicas e privadas da filosofia racionalista cristã teríamos que passar por um longo processo de disciplina e ajuste vibracional. Assim é para que não ocorram mistificações. Aqui usamos o verbo mistificar e o substantivo mistificação com o significado de falsificar ou falsear a verdade. Dotados de pensamentos altruísticos e voltados para o bem, os que aqui praticam a mediunidade sentem-se convictos e seguros pelas comunicações espirituais que transmitem. Nós usamos a razão para investigar a verdadeira natureza dos fatos.

Místicos. Místicos são aqueles que praticam o misticismo, utilizando-se ou não de certos rituais e cultos. Convém lembrar que o termo místico deriva da língua grega e significa “fechar os olhos”, durante quase todo o tempo de sua prática.  Nesse sentido, os místicos buscam a união com Deus como uma forma de iluminação de sua própria alma. Portanto, podemos concluir que uma experiência é mística quando não pode ser explicada pela razão, pelos sentidos físicos ou pelo método experimental da Ciência, já que essa experiência provém, de certa forma, de algum autoconhecimento espiritual.

As grandes religiões do planeta – o catolicismo, o islamismo e o hinduísmo – operam através de rituais e cultos, próprios de cada uma, para não citar os dogmas, com o objetivo de explicarem os fenômenos transcendentais, muitas vezes caracterizados como milagres. E, nesse sentido, os místicos se apoiam no misticismo e nas crenças alicerçadas pela fé. Tanto é assim, que a oração não deixa de ter um embasamento místico, pois ela é, também, um dos recursos mentais utilizados pelos próprios místicos. Também, na tradição budista, os seguidores procuram alcançar a plenitude e a felicidade através da meditação ou da prática de ioga, ambas incorporando um sentido místico em suas práticas. Não devemos, porém, esquecer que o budismo utiliza, também, práticas de interação entre o espírito e a consciência universal para atingir o nirvana, a plenitude suprema, como o caminho para a libertação dos sofrimentos deste mundo.

Para concluir, voltemos agora os olhos para as filosofias, sem nos aprofundarmos muito nisso, apenas para dizer que os filósofos entendem que a mística é uma atitude pessoal e está focada na realização de uma atividade de natureza espiritual que visa a unir a alma humana com a divindade, isto é, com Deus ou Inteligência Universal, que governa o mundo. Era assim que a escola neoplatônica entendia e buscava a iluminação interior da alma aprofundando-se na inteligência intuitiva e não na inteligência exclusivamente racional. Os filósofos neoplatônicos buscavam algo que não se podia apreender com os sentidos físicos, que não podia ser expresso por palavras, mas que podia ser sentido, pelo menos, pelas pessoas mais sensíveis e intuitivas.

Mitos. Ao longo de milênios da pré-história e principalmente nos séculos passados mais recentes, os filósofos sempre se preocuparam em fazer perguntas e indagações, tais como: Quem sou eu? De onde viemos? Para onde vamos? Como tudo começou? Qual é a origem das coisas materiais e imateriais? Muito pouco se avançou nas respostas a essas indagações, mas, elas levaram ao surgimento de muitos mitos e crenças que influenciaram as gerações passadas e continuam influenciando as gerações atuais. Na tentativa de respondê-las com acerto, surgiram vários mitos que perduram até os dias atuais.

Um conceito muito aceito pelos estudiosos nos informa que os mitos são narrativas  que possuem um forte componente simbólico. Em virtude de a ciência ter um lento progresso nos séculos anteriores à Revolução Industrial, as pessoas mais inteligentes criavam mitos com o objetivo de explicar os fenômenos e dar sentido às coisas e fatos do mundo. Além disso, os mitos serviam para passar conhecimentos e informações às pessoas sobre os defeitos e qualidades do ser humano, bem como os riscos a que estavam sujeitos. Assim, criaram-se deuses, heróis e personagens sobrenaturais que se misturaram com fatos da realidade para dar sentido às coisas obscuras da vida. Dessa forma, a história da humanidade foi ficando cada vez mais preenchida com mais de uma centena de mitos. Eles propuseram valores culturais e comportamentais, ainda que ilusórios, que passaram a ser aceitos e vividos pelas culturas dos povos de todo o mundo.

Para exemplificar vamos mencionar o famoso “mito da caverna”, apresentado no livro A República, de Platão, destacado filósofo grego. Em resumo, esse mito nos apresenta escravos que viviam presos e acorrentados dentro de uma caverna. De costas viradas para a abertura por onde entravam os raios de luz, eles só conseguiam ver as sombras de algumas pessoas que passavam em frente à caverna e eram projetadas no fundo dela. Por nunca terem saído dali onde estavam, eles pensavam que aquelas sombras eram reais. Certo dia, um desses escravos consegue libertar-se, sai da caverna e vê um mundo totalmente diferente, iluminado por um sol brilhante. Passa, então, a conhecer as coisas e percebe a causa das terríveis sombras. Ele volta para o interior da caverna e tenta libertar os outros prisioneiros contando a eles tudo que vivenciou lá fora, mas os acorrentados não acreditam no seu relato, e acabam matando-o.

Existem muitas interpretações para esse mito, mas acredita-se que Platão quis transmitir as seus seguidores que nós somos os prisioneiros “que enxergamos e acreditamos apenas em imagens criadas pela cultura, conceitos e informações que recebemos durante a vida.” Para ele, os seres humanos têm visão distorcida da realidade. E ainda, acrescenta que a caverna e o ambiente mitológico representam o mundo com todas as suas formas de manifestação da realidade, sejam elas reais ou não. “Só é possível conhecer a realidade quando nos libertamos dessas influências culturais e sociais, ou seja, quando saímos da caverna.”

Esta a grande lição que Platão nos deixou com esse mito: libertem-se da ignorância!

No próximo artigo trataremos de crenças, fábulas e ídolos.