A contribuição do mundo árabe para o avanço do conhecimento – II

Com Al-Kindi (801-872), Al-Farábi (870-950) e Avicena (980-1037), dos quais falamos na edição de novembro, Averróis (1126-1198), assunto deste artigo e do próximo, integra a famosa série de pensadores e cientistas muçulmanos que, ao longo da Idade Média, contribuíram para a preservação do legado cultural da Grécia antiga e o avanço dos diversos ramos do conhecimento – “feito histórico e fundamental para o desenvolvimento das ciências no Ocidente”.

A partir do século VIII, com a Ibéria (antigo nome da Espanha) já sob o domínio de tropas muçulmanas, a cidade de Córdoba tornou-se porta de entrada da ciência e da filosofia do mundo árabe na Europa e, por consequência, haveria de tornar-se também importante centro cultural da Espanha.

Em Córdoba nasceria, no século XII, Averróis, e lá viveria. Filho de pais muçulmanos, esse filósofo e cientista hispano-muçulmano influenciaria marcantemente a filosofia medieval e a renascentista.

Como os demais cientistas e pensadores islâmicos acima referidos, Averróis foi também um polímata, como o comprova a respeitável soma de seus diversificados conhecimentos – física, astronomia, medicina, filosofia, jurisprudência ocidental, direito islâmico, linguística e teologia.

Racionalismo e materialismo. Ao dedicar-se à interpretação da obra aristotélica, Averróis dirigiu sua atenção especialmente a dois aspectos do pensamento de Aristóteles – o racionalista e o materialista. Em razão disso, foi acusado, em 1194, de heterodoxia religiosa e condenado a um breve exílio na cidade de Lucena (Espanha).

O Comentador. Observa um estudioso que, entre os trabalhos filosóficos de Averróis, merecem também destaque seus numerosos comentários sobre Aristóteles, motivo pelo qual, aliás, o chamariam no Ocidente de “O Comentador”.  

Forte defensor. “Por uma fatalidade, dessas que descem do além”, como diria nosso poeta Castro Alves, Aristóteles teve em Averróis um forte defensor quando esse filósofo e cientista, profundo conhecedor da obra aristotélica, sentiu-se no dever de assumir a responsabilidade de restituir o verdadeiro sentido de importantes conceitos filosóficos do pensador grego, deturpados por interpretações de filósofos do neoplatonismo.

No entanto, uma vez restabelecido, por obra e graça de Averróis, o sentido original dos escritos aristotélicos, diversas doutrinas de Aristóteles, como a da eternidade do mundo e a da negação da providência “divina”, entre outras, conflitariam com a fé católica, que, através de seus teólogos, passou a criticá-las.  

Autonomia da filosofia. Em resposta a esses teólogos, Averróis, de pronto, defenderia a autonomia do pensamento filosófico em relação às diversas fés religiosas – cristã, judaica, islâmica ou qualquer outra. A filosofia, acrescentou o pensador hispano-muçulmano, não só é permitida no mundo islâmico, mas também até obrigatória “entre certas elites” do Islã.

“Interpretação alegórica”. Referindo-se à “Escritura Sagrada” do Islã (a qual, tirantes umas poucas diferenças, essencialmente não difere da “Torá” dos judeus nem da “Bíblia” dos cristãos), diz Averróis que, quando esse livro, “inspirado por Deus”, parece contradizer as conclusões da razão e da filosofia, “deve ser interpretado alegoricamente”. 

Continua na próxima edição.