A revolução filosófica de Baruch Espinosa – II

De acordo com a filósofa Marilena Chauí, da Universidade de São Paulo (USP), são as seguintes as teses de Espinosa que teriam mudado a filosofia:

1. Deus e Natureza são uma só e mesma coisa.

2. Portanto, nada tem a ver com o que as imaginações supersticiosas afirmam. Por exemplo, que Deus é um Monarca do Universo; um  Juiz do ser humano; uma Pessoa transcendente; ou um Super-Homem dotado de onisciente entendimento, de vontade onipotente e que age tendo em vista fins misteriosos.

3. O ser humano é livre por ser uma parte da Natureza, isto é, de Deus, sendo dotado, portanto, de força interna para pensar e agir por si mesmo, e não porque seria dotado de livre-arbítrio para escolher.

4. A religião é um impulso natural para dar sentido à vida e ao mundo. Assim sendo, a verdadeira religião deve ser uma relação espiritual entre a consciência individual e Deus, o que dispensa o aparato de igrejas, cerimônias e teologias.

5. O verdadeiro poder político não nasce de um contrato social das vontades individuais. Nasce, isto sim, da força coletiva da massa reunida num só ato de decisão pelo qual institui a si mesma como sujeito político detentor do poder. Esse poder é civil e não deve jamais subordinar-se ao poderio religioso-teológico, transformando-se, desse modo, em tirania sobre corpos e mentes.

6. Portanto, a teologia difere não só da política, mas também da filosofia. Com efeito, a teologia forja mistérios revelados por Deus que não podem ser conhecidos por nosso entendimento. A teologia é uma ausência do saber verdadeiro. E uma de suas finalidades é conseguir a obediência e a submissão das consciências a dogmas indemonstráveis, enquanto a filosofia, ao contrário, distingue-se como um saber livremente buscado pela razão humana.

Deus ou Natureza. Voltando ao tema número 1, vejamos algo mais a respeito do Deus espinosiano – a Natureza. Considera-se que a revolução provocada na filosofia por Espinosa começa na primeira parte de sua obra mais importante, a Ética. Ou seja, quando o filósofo passa a escrever sobre sua ideia de substância, ou Deus. Segundo um historiador da filosofia, aos que tivessem alguma dúvida, Espinosa deixou registrada em sua Ética, obra escrita em latim, esta frase, também em latim: “Deus sive Natura” (“Deus ou Natureza”, assim mesmo, com “N” maiúsculo).

 Segundo o pensador alemão Friedrich Hegel (1770-1831), Espinosa escreveu a última obra-prima latina indiscutível, na qual as concepções da filosofia medieval são finalmente voltadas contra si mesmas e totalmente destruídas. 

Para Espinosa, Deus é o mundo, pois Deus é a Natureza. O mundo todo, ou tudo que existe, existe em Deus, é parte essencial dele. Vale dizer, Deus é tudo e tudo é Deus ao mesmo tempo. São dois nomes para uma única e mesma coisa. É preciso, diz o filósofo, conhecer a Natureza, o máximo que pudermos, se quisermos conhecer Deus. Ele não é exterior, é a causa da essência e da existência de tudo, a causa interior de tudo, a causa imanente agindo em todo o Universo. Por essa condição, pois, de imanente à Matéria Universal, Deus não se separa dela. Ele é parte integrante e indissociável dela, está em tudo, permeia tudo. E aí está, diz outro pensador, a principal diferença de Spinoza em relação a filósofos anteriores: o Deus espinosiano possui caráter imanente.

Alma Universal. Bem antes, porém, de Espinosa, Sócrates, um dos grandes e mais célebres filósofos gregos, de quem já falamos em artigos precedentes, foi condenado à morte por defender não a crença politeísta de sua cidade natal, Atenas, e sim a existência do “Deus único”, que chamava de “Alma Universal”, também imanente à Matéria Universal, como o de Espinosa. Homem simples e ínclito mestre, Sócrates, que andava descalço nas ruas e não cobrava por suas “aulas” em praça pública, ensinava que assim como o corpo humano recebe seus elementos do grande corpo do Universo, assim também nossa alma participa da Alma Universal”. 

Força Universal. Para o Racionalismo Cristão, filosofia codificada por Luiz de Mattos, o Universo é composto de Força e Matéria. À semelhança do Deus de Espinosa e do Deus de Sócrates, a Força Universal — expressão utilizada por Luiz de Mattos para substituir a palavra Deus – também é imanente à Matéria Universal também é imanente à Matéria Universal e está, portanto, em toda parte. Suas parcelas encontram-se nos seres humanos, nos animais, nos vegetais, nos minerais, em tudo, em  enfim. Ou seja, por ser imanente à infinita Matéria não há um só lugar, um só ponto nem mesmo um só átomo no infinito Universo que não acuse a presença da Força, também infinita.

Baruch Espinosa, nascido em 24 de novembro de 1632, em Amsterdã, Holanda, viria a falecer em Haia, também na Holanda, em 21 de fevereiro de 1677, aos 44 anos, ainda em plena maturidade intelectual e física. Filósofo holandês, mas filho de pais judeus, seu corpo foi enterrado num cemitério cristão, na cidade de Haia, onde vivia. Sua morte é atribuída a uma doença pulmonar, provavelmente tuberculose ou silicose causada por pó de vidro inalado em seu trabalho de polidor de lentes, ofício que, como referido no artigo anterior, foi seu ganha-pão durante a vida inteira.