Diante de tanta violência, qual o papel de homens e mulheres no estabelecimento de uma sociedade realmente igualitaria?

Não é nossa intenção demorar-nos em uma análise pormenorizada da questão da violência e suas consequências, tampouco debater sobre as raízes históricas da situação de crise e de acentuada desigualdade ora atravessada pelo mundo. 

Defendemos o posicionamento de que a violência e as disparidades sociais constituem problemas interligados e interdependentes, que não podem ser compreendidos integralmente pelo viés parcial da abordagem materialista, necessitando das luzes da espiritualidade defendida pelo Racionalismo Cristão para seu verdadeiro entendimento. 

Nossa convicção é de que fora do diálogo respeitoso e da abertura para o transcendente, nenhuma solução será plenamente satisfatória no sentido de mitigar a violência e estabelecer uma cultura de paz em que se busque a igualdade de oportunidades e a valorização da dignidade humana. 

Concebendo a realidade apenas pelo que percebe por meio dos limitados sentidos físicos, que indicam a existência de um mundo estritamente biológico e emocional, o ser humano não estará em condições de apreender das relações humanas o que ela oferece de mais precioso: a oportunidade de desenvolvimento da solidariedade, que une os membros da sociedade e os aproxima de sua origem.   

Nesse entendimento, o caminhar, ou melhor, o progredir na vivência espiritualista exige não somente a ampliação do olhar para a realidade transcendente no sentido de atestar sua existência, mas também o dilatar da compreensão no que se refere à aceitação dos semelhantes e dos dramas que envolvem a complexa convivência humana. Com isso, os conflitos hão de ser resolvidos ou contemporizados pelo diálogo e evitados pela educação e pelo esclarecimento espiritual, afastando-se a falsa ideia de que se pode buscar o equilíbrio mediante o uso da violência. 

Ao observar os vários sintomas da crise atual, como os surtos de violência que eclodem em várias partes do mundo e o desrespeito à natureza e à dignidade humana, pode-se reconhecer a confluência de diversos fatores. Alguns deles estão relacionados à ganância, ao radicalismo religioso, ao consumo desordenado e avassalador; outros, ao solapamento dos valores morais e à desintegração da família; alguns são parte de flutuações periódicas dos paradigmas sociais; outros, ainda, ocorrem por conta da ausência de diálogo ocasionada pela imposição das novas tecnologias, que, diga-se de passagem, têm causado um efeito traumático na vida de milhões de pessoas ao modificar radicalmente seus hábitos de vida. 

Sem dúvida, para o estabelecimento de um estado tão violento, tenso e contraditório como o verificado mundo afora, concorrem uma constelação de circunstâncias – históricas, religiosas, culturais e intelectuais. Contudo, nosso foco se direciona para o campo das soluções, como bem nos indica, a propósito, o título desta reflexão. 

Diante de um período histórico em que pululam, estimuladas pelo ambiente árido e materializado, um sem-número de personalidades indisciplinadas e desabridas, desidratadas de afetividade, exige-se, por parte daqueles que meditam sobre os profundos conteúdos da espiritualidade, uma singular dose de compreensão e boa vontade. Novos e complexos tempos requerem dos que se importam pela humanidade iniciativas que ultrapassem a passividade e as soluções do senso comum, que podem até se mostrar cômodas, contudo são insuficientes. 

Os estudiosos da espiritualidade proposta pelo Racionalismos Cristão, que procuram vivenciar no dia a dia seus magníficos ensinamentos já se conscientizaram da importância da fraternidade para a edificação de um mundo justo e solidário, onde sempre há lugar para todos. Essas pessoas, que transformaram sua maneira de ser pela força viva da espiritualidade – vocábulo rico de conteúdos e significações – têm o sério compromisso de manifestar os sentimentos de amor ao próximo e benquerer; levam, portanto, uma vida de incalculável fecundidade, que pretendem transmitir aos semelhantes para a superação coletiva dos desafios sociais. 

Todo ser humano possui inexoravelmente dentro se si uma reserva de afeto que precisa comunicar para o pleno desenvolvimento de seus demais atributos e potencialidades. A violência, no mais das vezes, bloqueia essa expressão de amor e impede sua manifestação, comprometendo o metabolismo da alma e gerando uma série de distúrbios emocionais e psíquicos.  

O progressivo abandono de ideias preconcebidas, violentas, separatistas e, portanto, irracionais e injustas que atentam contra a natureza espiritual dos seres humanos e impedem sua liberdade deve ser estimulado a todo momento por aqueles que já penetraram no domínio dos valores transcendentes. A atitude voltada exclusivamente para a prática do bem e para a valorização do semelhante não representa um radicalismo descabido, mas consistência de caráter e preservação da própria identidade. 

As concepções filosófico-espiritualistas inspiradas nos ensinamentos do Racionalismo Cristão e que permeiam a presente reflexão possuem uma clara dimensão crítica em relação às distorções morais que, em matéria de convivência, substituem os compromissos de fraternidade pela incessante busca de realização interna e egoística. Tais concepções, embora ultrapassem os imperativos materiais, não constituem um mero conjunto de noções abstratas que estão distantes e à margem dos problemas sociais, mas, ao contrário, significam um precioso instrumento prático que permite vislumbrar com acerto outras possibilidades de coexistência, fundamentadas na tolerância e no amor. 

A igualdade e a paz social não devem ser entendidas como a anulação das diferenças e o simples afastamento da violência, o que se pode dar, em verdade, por intermédio de imposições que visam silenciar as reivindicações e os anseios mais legítimos por meio de processos ardilosos e não menos nocivos. O diálogo, meus amigos, é o veículo privilegiado que conduz à harmonia e à paz e, nesse sentido, também fornece a substância moral que sustenta as relações dignas e duradouras.  

Diante de tantos conflitos, agressões e hostilidades, diante de tamanho desequilíbrio, homens e mulheres comprometidos com o bem comum e com a expansão da espiritualidade podem e devem construir uma sociedade mais pacífica e igualitária por meio da ação diária criteriosa, do envolvimento responsável com os preceitos da cidadania, do respeito e da tolerância aos diferentes pontos de vista, enfim, da expressão sincera do benquerer, que é capaz de despertar no semelhante sentimentos elevados capazes de conduzi-lo a uma reflexão sobre a verdadeira finalidade da vida. 

Muito Obrigado!