No andar da carruagem

Diplomacia, a arte da palavra. Envolve planejamento, os ‘sherpas’ que o digam, além de óbvio preparo intelectual e cultural, derivado do conhecimento. Diplomacia voltada a estabelecer uma estratégia de política externa, com habilidades inerentes às nuanças de cada governo e governante, que permitam expandir horizontes.

São estes conceitos fundadores da diplomacia brasileira, a que se agregaram elementos políticos, ao longo das gerações, conforme as circunstâncias. A diplomacia do pacifismo incorreu na participação brasileira em missões de paz além-fronteiras, e concorreu para evitar conflitos armados nas próprias fronteiras. Um relacionamento que se expandiu, inclusive na frente econômica, para a abertura de mercados, acesso a recursos financeiros em prol do desenvolvimento, enfim, participação na ordem mundial, já sem Portugal, a partir da independência.

Não intervenção. A Primeira República herdou do Império o pensamento de não intervenção, coexistência pacífica, com marcas de qualidade, respeito, seriedade. Como guia, as nações civilizadas da Europa. Como ganho, crédito político e imagem positiva. Diplomacia internacional.

Evoluindo até o século XXI, vemos a diplomacia condizente com o multilateralismo, num mundo multipolar. Uma modernização, em seguimento à era Getúlio Vargas. Já ganhamos o foro das Nações Unidas e a variante da diplomacia ágil, flexível. Que não impediu que negociações diplomáticas brasileiras, por vezes, se fizessem acompanhar da força militar, como recurso auxiliar.

Soberania nacional, integridade territorial, defesa em prol do desenvolvimento são uma constante na diplomacia presidencial, dominante na história do Brasil, desde o Império (diplomacia do imperador). Só eclipsada (com o mesmo foco) pela “diplomacia do Barão”, profissional, de longa gestão (1902-1912), que liberou o país das questões fronteiriças. Mas, em geral, perdura a sinergia: presidente, os demais no Governo, parceiros.

Define Sérgio Danese, em obra de história e crítica à diplomacia presidencial no Brasil: “… condução pessoal de assuntos de política externa, fora da mera rotina ou das atribuições ex officio, pelo presidente”. Com pleno sucesso e aplausos até hoje, pelo que vingou de 1930 a 1945 e, depois, a partir de 1995 (com ápice até 2012), o que se decanta como a diplomacia presidencial de visitas. Carisma, imagem, projeção.

Acanhada nos anos de governo militar, abusiva na primeira metade dos anos 1990, mas universalizada a partir da segunda metade dessa década, a diplomacia presidencial tem “caráter errático”, conforme ressalta Danese. Uma realidade à qual o Ministério do Exterior parece já acostumado, conclui. Afinal, são diferentes os perfis dos presidentes, a diversidade de foco dos governos e a própria vida brasileira.

O livro O Pensamento Diplomático Brasileiro, com menção destacada aos nomes exponenciais até 1964, muito explicita. Editado pela Fundação Alexandre de Gusmão, de novembro 2013, Edgard Telles Ribeiro iria complementá-lo por assim dizer, dois anos depois, ao atualizar sua ‘Diplomacia Cultural’, como modalidade da moderna diplomacia. No prefácio, Antônio Houaiss sumaria: “… que se manifesta pela polidez, pelo donaire, pela graça, pela elegância, pela gestualidade, pelos ademanes, pela eloquência, pelo convívio, pela obsequiosidade…”

Em agosto, reunidos em Biarritz, os sete países no topo dos industrializados fizeram aflorar modos temporâneos nas relações internacionais entre pares. Le Monde inovou, então, cunhando uma diplomacia da audácia e voluntarismo. Agora, na oportunidade do próximo Sínodo da Amazônia (6 a 27 deste outubro 2019), o governo do estado do Pará lança a ideia de uma diplomacia ambiental. Bem conforme a atribulada realidade pan-amazônica, um tema recorrente nas falas do Papa Francisco, que gerou ’Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral’.

Affair Amazônia. É aí que a carruagem esbarra, em seu andar. Na supina lista, aqui alinhavada, desponta a diplomacia da ofensiva, na defensiva do affair Amazônia:12 páginas de orientação do governo brasileiro às Embaixadas, para que refuguem a crítica à sua postura, segundo a mídia brasileira. Mas careceria de abordar outro deslize diplomático, com o cancelamento, pelo Paraguai, do acordo sobre o consumo da energia de Itaipu. Como argumento, “alta traição”. Ou seja, condições negociadas a portas fechadas.

Na prateleira, o jus gentium de Rio Branco, marca de um estilo distinto, e a diplomacia eloquente de Rui Barbosa. A antidiplomacia das redes sociais (loas ao Twitter), em escala sem precedentes, vem evaporando os princípios éticos. Espraiando-se; deixou de ser apanágio de um só país. E permite-se exceder da esfera política, fazendo a carruagem desviar por descaminhos.

(De)mérito da atualidade digital, perde-se hoje a tradicional diplomacia brasileira  no lacônico e inusitado. Sagra-se uma modalidade malvista – diplomacia, a arte do desaire da palavra. A Amazônia e a Mulher não merecemos.