O Cavaleiro de Oliveira

Com o artigo de número 72, publicado em edição de março de A Razão, finalizamos o capítulo sobre Aristóteles. A obra aristotélica, por sua vez, encerra mais uma importante etapa da história do racionalismo grego, considerado o mais precioso legado cultural transmitido pela Grécia antiga à posteridade. O capítulo seguinte seria o que trata do período helenístico. No entanto, antes de abordar esse assunto, nos permitimos dar um grande salto no tempo para, a pedido, falar a respeito do Cavaleiro de Oliveira, personagem da história do racionalismo mais familiar aos racionalistas cristãos de maior antiguidade nesta filosofia. Já foi tema, aqui, de um de nossos artigos, mas já lá vão vários anos.

 

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O Iluminismo, chamado também Racionalismo Iluminista e Filosofia das Luzes, corrente filosófica do século XVIII, teve sua origem na Inglaterra (em inglês, Enlightment). Foi na França, porém, que encontrou terreno propício para se desenvolver e se tornar movimento de grande expressão. Dali se irradiou para outros países da Europa, como a Alemanha, onde tomou o nome de Aufklärung, a Itália e Portugal, entre outros.

O primeiro e principal representante do Racionalismo Iluminista em Portugal foi Francisco Xavier de Oliveira, livre-pensador, escritor e  diplomata, mais conhecido como Cavaleiro de Oliveira.

Filho genuíno do século XVIII, chamado também Século das Luzes, nosso Cavaleiro nasceu em 1702, em Portugal. Foi esse lusitano, porém, um sublime e incorrigível andarilho e, assim, de tanto percorrer tantas terras, pouco viveu em seu país.

Iniciou sua carreira diplomática em Viena, Áustria. No entanto, mal a começou, teve de abandoná-la, por circunstâncias políticas e sociais adversas. Depois dessa breve e sofrida estada em Viena, o Cavaleiro encetou penosa perambulação por diversos países da Europa e passou a viver, exclusivamente, do labor da pena, “a que afanosamente se entregaria” até o fim de seus dias.

Em razão de suas constantes andanças através da Europa, esteve ou viveu numa série de países e cidades, como, por exemplo, a França, especialmente Paris, a Holanda (refúgio do livre-pensamento) e, finalmente, Inglaterra, paradeiro onde, por fim, fixou moradia pelo tempo de vida, relativamente longo, que lhe restava. Nesse país, casou, em terceiras núpcias, com Françoise Hamon, de família francesa protestante, indo então residir na cidade inglesa de Hackney.

Entre as obras do Cavaleiro de Oliveira, podem ser citadas como mais importantes: Cartas familiares, históricas, políticas e críticas; Diversão periódica; Memórias das viagens; e O Cavaleiro de Oliveira queimado em efígie.

De estilo irônico e às vezes sarcástico, lembra-nos, sob esse aspecto, o iluminista francês Voltaire, seu grande contemporâneo.

No entanto, no século das luzes a intolerância e o fanatismo da Igreja mantinham-se, mais do que nunca, vigilantes e incansáveis. Servindo-se de textos das obras do Cavaleiro, a Inquisição portuguesa instaurou processo contra ele, em decorrência do qual foi condenado a ser queimado em efígie (imagem, retrato, de um personagem real) numa solenidade religiosa (Auto de Fé), em 1761. Cumpre observar que, por ocasião desse acontecimento, o Cavaleiro de Oliveira já renunciara, publicamente, havia muito, à religião católica.

Façanha notável, observa um historiador, para um lusitano do século XVIII, em cuja família, como em toda a sociedade portuguesa da época, estava fundamente arraigada a tradição católica. Foi, assim, o primeiro português que ousou quebrar os liames da tradição religiosa herdada de sua família e de seu país.

Dois grandes escritores portugueses, Camilo Castelo Branco e Oliveira Martins, expressaram sua admiração pela independência espiritual e pela coragem moral do Cavaleiro de Oliveira e exaltaram o fato de ter ele abjurado o catolicismo romano, “apontando-o à conta de vitória do livre-pensamento”.

Cento e vinte e sete anos depois da morte desse escritor e livre-pensador, um ilustre português radicado no Brasil veio a codificar aqui o Racionalismo Cristão, não antes de ter entrado em contato e se familiarizado com as ideias do racionalismo iluminista, difundidas no século XVIII, e com a obra do principal representante dessas ideias em Portugal, o Cavaleiro de Oliveira.

O codificador do Racionalismo Cristão externou mais de uma vez sua admiração pela obra intitulada “Cartas”, do Cavaleiro, tida como a melhor desse autor. Vem a propósito ressaltar aqui o gosto de ambos pelo gênero epistolar, por eles largamente usado e que muito serviu ao grande mestre espiritualista na explanação da Filosofia por ele codificada. Encontra-se, aliás, em suas cartas muito do estilo irônico presente nas obras do Cavaleiro.

Morto em 1783, na cidade de Hackney, Inglaterra, Francisco Xavier de Oliveira, ou Cavaleiro de Oliveira, haveria de reencarnar, novamente em Portugal, 77 anos depois, ou seja, em 1860. E receberia, então, o nome de Luiz José de Mattos Chaves Lavrador.