Os olhos de quem vê

Os olhos de quem vê
“Os olhos são a janela da alma e o espelho do mundo”. Leonardo da Vinci
A ciência passou por uma guinada de 180 graus quando, em 1928, Niels Bohr, Max Planck, Schrodinger e outros eminentes físicos europeus criaram a Física Quântica em continuidade à Física Clássica e, em algum tempo após, o chamado Modelo Padrão que norteia os estudos e embasam as dezenas de teorias dos físicos e cosmologistas da atualidade.
Essa nova ciência fundamenta-se principalmente no princípio da incerteza, na probabilidade e na alta matemática para explicar os fundamentos da estrutura da matéria existente no interior do átomo, nas diminutas escalas infinitesimais jamais imaginadas pela mente humana.
Pois bem, na Física Quântica, por bizarro que pareça, o olho do observador define o resultado da experiência. Dentro desse pano de fundo, entre outros avanços que deram lugar a inumeráveis produtos da moderna tecnologia, surgiu a holografia, ramo da Física que criou o chamado modelo holográfico que se aplica a todas as coisas.
No modelo holográfico, outra estranheza aparece na confirmação experimental de que a natureza do todo está em cada parte desse todo. Assim, se considerarmos uma imagem holográfica qualquer, cada pedacinho dessa imagem, quando iluminada, retratará a imagem inteira, embora menor e menos nítida. Prova-se, assim, que o todo está presente na parte, e a parte no todo. Podemos aplicar esse conceito cientificamente comprovado ao homem, ao todo que chamamos de humanidade, ao todo deste planeta que habitamos, e assim por diante, pelo sistema solar, que faz parte de outros sistemas, que por sua vez pertencem ao Universo.
Voltemos, então, os olhos para alguém que se apaixona por outrem. Não é esse outrem que me causa paixão. Essa paixão acontece em mim mesmo segundo as minhas expectativas sobre esse alguém e faz meus olhos brilharem, acender a minha mente e meu coração bater mais forte. Tudo isso acontece em mim e não na outra pessoa. Esta é uma situação tênue que pode desfazer-se ao menor sinal de ameaça, fazendo desaparecer minhas sensações apaixonadas. Posso, então, verificar que a paixão é a mesma, mas a interação com a outra pessoa não é mais a mesma. Basta esse fato ou motivo para mudar tudo para os meus olhos. Podemos, portanto, ver que a paixão está nos olhos de quem vê. Aqui, eu poderia elencar uma série muito grande de exemplos, para concluir que nada acontece enquanto não olhamos e criamos a nossa realidade.
A realidade que meus olhos veem em qualquer circunstância é real para mim, mas não predeterminada em si.  Ela só vai surgir em mim no momento em que eu observo o evento, criando uma imagem própria dele. Aqui também são meus olhos que captam essa imagem diferente e a minha mente a registra como real para mim. Quando falamos que uma pessoa é boa ou ruim, a que realidade estamos nos referindo? Não à pessoa em si, mas da relação que estabelecemos com ela. Sempre existe embutida em nossa opinião um pouco de nós. Assim, nós estamos sempre cocriando a realidade com a qual convivemos. São as percepções que criam a realidade; não como ela é, mas como ela se apresenta para nós. Ou seja, a realidade que chamamos de realidade é a nossa realidade, tão somente.
Isso não é uma mágica, nem é simples jogo de palavras, mas uma maneira correta de entender que a realidade que chamamos de realidade é a nossa realidade. Assim, esse texto que escrevi será percebido, sentido e interpretado de forma diferente segundo a ótica de cada leitor, de modo a inseri-lo dentro do seu próprio mundo. Para os desatentos, o texto não trará lição alguma; enquanto, para os interessados, será uma proveitosa aprendizagem. A beleza, assim como o amor, a paz, a esperança, a vida e todas as “coisas” para cada pessoa são o resultado da maneira como utilizamos o nosso pensamento e como focamos nosso olhar sobre todas as coisas e eventos.
Desde a mais remota antiguidade, como seres humanos, quando o espírito reencarna torna-se um indivíduo, isto é, nos individuamos ou nos personalizamos. De acordo com esse enfoque, até os dias de hoje, vimos acentuando nosso egoísmo. Desaprendemos como olhar nos olhos de nossos semelhantes e buscar o calor de um afeto, como por exemplo num abraço aconchegante. Por isso mesmo, adotamos certa passividade diante dos problemas pessoais, coletivos e do mundo, afastando-nos da desejada solidariedade perante os demais. Cremos, há muito tempo, que estamos fortemente separados uns dos outros. O mesmo podemos dizer de nossos países, separados por fronteiras e de nossas religiões, separadas por diferentes crenças e rituais.
Mas um novo paradigma desponta no horizonte das sociedades atuais destronando, passo a passo, a separatividade, pois esta é e sempre foi uma grande ilusão. Estamos unidos desde sempre por uma teia de pensamentos, sentimentos e emoções coletiva invisível. Estamos vendo que a globalização, a tecnologia, a economia, as artes, a ciência, os meios de transporte e a mídia nos mostram que o mundo ficou pequeno e que as fronteiras entre os países são precárias. Alguém disse e é uma grande verdade contemporânea. Podemos até afirmar que os países ricos não estão a salvo da miséria, das doenças e da violência dos países pobres. As nações ricas e poderosas não estão imunes ao sofrimento e à dor que reinam no mudo. Daí, podermos concluir que a separação é uma ilusão; e que um mundo de solidariedade estabelece o caminho para o bem geral de todos.
Estamos aqui, todos juntos, num mundo-escola chamado Terra, com um destino incerto, fruto do somatório do uso de nosso livre-arbítrio, sendo exercido a cada momento por cada um de nós. Livre-arbítrio é a vontade em ação, sempre sob a responsabilidade de cada indivíduo. Todos os atos, individuais ou coletivos, decorrentes da ação humana, estão sujeitos à lei de causa e efeito, pois toda e qualquer ação produz consequências imediatas ou mediatas, boas ou ruins.
Não devemos nos esquecer que vivemos em um mundo-escola onde muitas oportunidades se nos apresentam para provocar a nossa evolução. Nós podemos ter controle sobre muitas das ações humanas, principalmente de nós mesmos, mas somos desafiados pelas ações de nossos semelhantes e dessas nem sempre podemos escapar. É o caso, por exemplo, dos conflitos armados ou não, das guerras, da fome endêmica, de muitas doenças altamente infecciosas, da raiva, do ódio, da maledicência, da violência, de uma lista infindável de negatividades. E, quando não sabemos nos defender desses conflitos, acabamos sendo responsáveis e cocriadores da dor no mundo. É o que acontece quando não pomos nossa vontade em ação para o bem e o nosso poder de convicção para demover os que têm dúvidas.
No caso oposto, que é o que se espera da humanidade quando atingirmos um certo patamar de evolução, poderemos criar harmonia e paz no planeta desde que criemos primeiro a paz e a harmonia em nós mesmos. E daí procurarmos expandir esta paz para os que estão mais próximo de nós e com eles convivemos diariamente – os nossos familiares, nossos amigos, nosso ambiente de trabalho. Unindo-nos e fazendo um esforço conjunto podemos mudar nossos pensamentos e atitudes para que o bem alcance uma escala mais abrangente, pelo menos, para minimizar a poluição no planeta, livrando-o da destruição. Vemos esforços muito titubeantes nessa direção. Cada adesão pelas nações da Terra a este movimento é um passo a mais que atua como um verdadeiro elo de uma corrente capaz de salvar o planeta de grandes catástrofes ou até mesmo da destruição.
Caruso Samel
Escritor, militante da Filial Butantã (SP)