Salvação e reencarnação

Salvação e reencarnação
Vamos fazer aqui, neste artigo, um pequeno ensaio, um pequeno paralelo entre os significados das palavras Salvação e Reencarnação, com todo o respeito que merecem de nossa parte todas as doutrinas, religiões e seus religiosos e praticantes. O que gostaríamos de destacar é que, diante da grande diversidade de evolução existente no mundo Terra, tudo é cabível e justificável dentro da moral cristã. Tudo o que importa neste grande cenário é o amor e o respeito aos nossos semelhantes, qualquer que seja a doutrina ou a religião que a pessoa segue para pautar sua vida. Vale dizer aqui, também, que a melhor religião ou doutrina é aquela em que a pessoa se sente satisfeita espiritualmente. Comecemos, então, por entender o conceito de salvação.
Salvação. Afinal, o que é salvação? Precisamos entender muito bem esse conceito. Um dos conceitos básicos refere-se a alguém que corre o risco de perecer, qualquer que seja a natureza do perigo. Nesse sentido, o ato de salvar está ligado aos atos de proteger, libertar, curar doenças para continuar a ter boa saúde, bem como à manutenção da vida, não escapando até mesmo tudo que é relacionado à paz individual e entre os povos de todo o mundo. No sentido religioso, salvar é dar continuidade ao destino do homem após a morte, tarefa atribuída pelos religiosos a Deus ou a Jesus Cristo. Somente eles poderão salvar a humanidade. A eles compete afastar as almas das penas eternas do inferno e prover as bem-aventuranças do céu, sendo Jesus Cristo o nosso único redentor e salvador. Essa é a bússola, ou melhor dizendo, o dogma que regula os princípios básicos das religiões cristãs e evangélicas, de um modo geral.
As religiões que se fundamentam nas Escrituras Bíblicas (Velho e Novo Testamentos) têm como fundamento básico de sua fé a ressurreição de Jesus Cristo. Acreditam no seu retorno (em carne e espírito) como Salvador da humanidade (de seus pecados). Aqui, a palavra Salvador é um qualificativo de natureza divina, e, portanto, de ordem superior.
Contudo, o problema com os seguidores bíblicos das religiões ditas cristãs, das quais o catolicismo é o seu ramo maior, tendo dele originado as demais religiões ditas protestantes e, mais recentemente, outras, é que não aceitam o fato de que Jesus Cristo foi apenas um homem. Na verdade, um grande homem, um ser humano evoluidíssimo, mas sem o destaque da filiação divina que lhe procuram dar. Além disso, os cristãos bíblicos entendem que “possuem” Jesus, que Jesus lhes “pertence” (entronizam-no) e, portanto, qualquer pessoa ou doutrina que ousa colocá-lo fora das visões de um Deus paternalístico, com Jesus sentado ao seu lado direito, está perpetrando uma grande blasfêmia contra essas religiões. Não há nessas palavras qualquer mentira nem qualquer engodo, pois é assim que se apresentam essas religiões.
O problema é, pois, de natureza conceitual, já que salvação e reencarnação se apresentam como conceitos excludentes, isto é, que se contrapõem. A salvação está fortemente centrada na crença do perdão e na vida eterna em uma espécie de mansão celestial.
Reencarnação. Pelo fato de ainda predominar na sociedade atual um materialismo desenfreado e exacerbado, muitas religiões criticam a reencarnação. Aprofundemos um pouco mais.
As palavras encarnação e reencarnação surgiram com Alan Kardec em meados do século XIX, por volta de 1865, substituindo a palavra ressurreição dos profetas bíblicos, que interpretavam, àquela época, o corpo astral como se fosse o corpo físico. De outro lado, o conceito de reencarnação não aceita a ideia do perdão no sentido que lhe dão as religiões bíblicas. Sob as leis naturais e imutáveis do Universo, a criatura que age praticando o mal terá que redimir-se na atual encarnação ou nas futuras, sem a possibilidade de vir a ser perdoada. Diante dessa visão, cada reencarnação é uma preparação para a próxima e a atual é mais ou menos feliz ou árdua, dependendo da forma como utilizamos o nosso livre-arbítrio ou da natureza e extensão das faltas e erros que praticamos em encarnações pretéritas ainda por resgatar.
Continuando, diremos que as boas ações, assim como as más, reverterão em favor ou contra a criatura que as praticou. Dessa forma, a razão e o bom-senso nos ensinam que é justo que os atos indignos sejam redimidos e não perdoados através de confissões ou quaisquer outras práticas doutrinárias ou religiosas. Não importa por quantas reencarnações a criatura maldosa passará, mas ela sempre pagará por seu comportamento incorreto e inadequado neste mundo, custe o tempo que custar, pois as leis naturais são universais e imutáveis.
Na concepção espírita e espiritualista, o espírito já encarna (nasce na carne, no corpo físico), com seu planejamento de vida incorporado ao nosso subconsciente, isto é, tem toda a potencialidade para cumprir sua missão de vida dentro dos princípios morais cristãos. Tudo que o indivíduo precisa ao longo de sua vida é vencer suas fraquezas e paixões praticando o bem e somente o bem, apesar dos ambientes terrenos lhe serem desfavoráveis em muitos aspectos. Para isso, basta usar o bom-senso que embasa as escolhas feitas pelo nosso livre-arbítrio, libertando-nos dos erros e das paixões insanas. Em suma, lutar sempre para aperfeiçoar nossos atributos espirituais, usando as muitas faculdades de que dispomos para evoluir sempre e sempre. Assim procedendo, estaremos em paz com nossa consciência na rota certa e segura da evolução!
Ampliando um pouco mais essas noções de espiritualidade, podemos considerar a alma como o espírito encarnado que se individualizou na criatura ou pessoa que tem um nome e que está vivendo no planeta Terra por um tempo variável, mas determinado.
O espírito é Força, é vibração de uma partícula da Inteligência Universal que anima o nosso corpo físico, que dele depende para tudo. Tem-se que perguntar o que ele veio fazer aqui na Terra, neste planeta de tantas injustiças e de tanto sofrimento. A resposta é clara: veio promover a sua evolução de forma acelerada mediante o relacionamento com seus semelhantes em essência. O que possibilita essa aceleração é a convivência com outros espíritos encarnados, seus semelhantes, de diversos estágios de evolução.
Então, é nesse ambiente de grande diversidade espiritual que o espírito, partícula imaterial e essencial, qualquer um deles, possui a potencialidade para se desenvolver aceleradamente. Dele depende o corpo para tudo que realiza como individuo. A alma é um princípio imaterial; dela depende o corpo para suas atividades, mas o seu poder transcende ao corpo, porque é capaz de pensar abstratamente e realizar ações em outras dimensões de natureza transcendental.
Nesse sentido, ele, como ser imaterial e imortal, sobrevive ao corpo, e tudo que ele pensa, cria e faz, independe de outro ser transcendental, mas para evoluir tem que pautar todas as suas ações dentro das leis naturais e imutáveis do Universo.
Então, finalmente, pergunta-se: os conceitos existentes por detrás dos termos salvação e reencarnação são irreconciliáveis? Penso que não; eles são, na verdade, complementares e aceitáveis em função do grau de evolução em que os indivíduos convivem aqui durante suas numerosas vidas no planeta Terra.
Caruso Samel
Escritor, militante da Filial Butantã (SP)