Uma filosofia original e inovadora – III

Entre o século XIII e o XIV, Duns Scot (1265-1308), que é propriamente o tema deste artigo, e Guilherme de Ockham (1285-1349), do qual vamos falar no próximo, realizaram a façanha de desenvolver uma filosofia original e inovadora que haveria de abalar a escolástica, corrente filosófica de predomínio absoluto na Europa medieval até então.

Tal feito, porém, não nos  induz a minimizar o fato de que Robert Grosseteste (1175-1253) e Roger Bacon (1214-1294) já afirmavam – cerca de dois séculos antes de Scot e Ockham – que o pensamento escolástico é incapaz de explicar a realidade. E o que seria capaz de explicar a realidade? Grosseteste e Bacon, que trabalhavam em parceria em suas pesquisas científicas, já  tinham a resposta: usar a linguagem matemática e defender a primazia da experiência em tudo, até mesmo na religião.

Depois de Grosseteste e de Roger Bacon, Duns Scot e Guilherme de Ockham somaram-se, por sua vez, agora no século XIV, ao “coro de vozes” estabelecido em Oxford que, desde o século XII até então, discordava das ideias dos escolásticos da Europa continental. No que tange a essa discordância, o leitor vai ver a opinião de  ambos – a de Scot, neste artigo, e a de Ockham, no próximo.

Frade e filósofo. Scot nasceu na cidade escocesa de Duns, situada na fronteira com a Inglaterra, e morreria numa cidade alemã, Colônia, aos 42 anos.           

Em 1280, aos 14 anos, ingressou numa das ordens franciscanas (congregações de frades) fundadas por um rebelde católico, o italiano Francesco Bernardone (1182-1226), que “procurou converter os cristãos à religião de Cristo” e é conhecido hoje como “São Francisco de Assis”.

Ao ingressar nessa ordem franciscana, Scot iniciaria ali seus estudos e realizaria os de filosofia e teologia na Universidade de Oxford e na de Paris. Em 1305 ou 1306 voltaria à Inglaterra, sendo então nomeado professor da Universidade de Oxford, e escreveria seus livros, entre os quais sua obra principal, intitulada Opus Oxoniense.  

Scot distinguiu-se também como teólogo de sua religião, o catolicismo. Porém se destacou  principalmente, ou acima de tudo, como um dos dois mais importantes filósofos de seu tempo (o outro foi William de Ockham, sobre o qual exerceu profunda influência, como tutor e mestre).

Duas coisas inconciliáveis. Ao contrário de Tomás de Aquino, que intentou conciliar a fé católica com a razão grega – especialmente a platônica e a aristotélica–, Scot opinava que essas duas coisas são, por natureza, inconciliáveis. Segundo ele, por se tratar de questões que dizem respeito apenas à fé e às “revelações divinas”, os dogmas religiosos não podem ser explicados racionalmente. Aliás, a separação dessas duas áreas acabaria, mais tarde, por liberar a filosofia da submissão à teologia, ou, melhor dizendo, da submissão à fé católica. 

Decadência da escolástica. Para os especialistas da área filosófica, uma das mais importantes realizações de Scot teria sido a elaboração do conceito segundo o qual as essências não são somente universais, mas também individuais. Isso, segundo o próprio filósofo, possibilitaria à filosofia “abandonar a dedicação exclusiva ao transcendental e voltar-se também ao momento presente”, podendo assim investigar racionalmente os seres individuais.

Tal concepção viria – ao propor a investigação racional dos fenômenos da natureza – contrapor-se às ideias dos pensadores católicos da Europa continental, dando, assim, início à dissolução da escolástica.